O emprego industrial na mídia

Prossegue a tática de urubuzar a economia brasileira.

Chega a ser engraçado o antitrabalhismo do Estadão, ao protestar, em editorial, contra o aumento dos salários, fazendo ilações levianas de que estes estariam prejudicando a geração de emprego na indústria. É o contrário. Os salários altos decorrem da alta demanda por mão-de-obra especializada.

De qualquer forma, a mídia hoje pegou os números do IBGE sobre o emprego industrial, divulgados ontem, e olharam, como sempre, apenas o seu aspecto negativo. O Globo é tão sinistro, que faz a seguinte combinação de título e subtítulo:

 

Ou seja, mistura a queda mensal no emprego industrial, um dado negativo, e a queda no IGP-M da FGV, que é um fato promissor, pois o IGP-M é um indicador de inflação.

O item “Pessoal Ocupado Assalariado” caiu 0,4% na virada de outubro para setembro, mas o acumulado dos últimos 12 meses mantém alta de 1,6%. Em se tratando de indústria, que é um setor (à diferença de agricultura e comércio, mais resistentes) naturalmente instável, é sempre importante observar antes o período de 12 meses. Ora, se cresceu 1,6%, num ambiente financeiro inóspito, com aumento dos juros, violenta retração dos gastos do governo e crise internacional, eu acho que está de bom tamanho.

Quando vamos analisar os dados por setor, notamos detalhes ainda mais explicativos. A queda foi puxada quase que exclusivamente por São Paulo, e pelo setor de papel e gráfica.

Observe que o valor da folha de pagamento cresceu 4,6% em dez meses. Ou seja, os trabalhadores estão ganhando mais. Mesmo em São Paulo, se viu crescimento da folha de pagamento em Jan/Out 2011, de 2,5%.

Clique na imagem para ampliar.

Abaixo um trecho do texto de apresentação do IBGE:

No índice acumulado dos dez meses do ano, o valor da folha de pagamento real mostrou expansão de 4,6%, com todos os locais investigados apontando resultados positivos. O principal impacto sobre o total nacional foi verificado em São Paulo (2,5%), impulsionado por meios de transporte (9,2%), máquinas e equipamentos (7,8%) e alimentos e bebidas (4,0%). Minas Gerais (10,4%), Paraná (9,3%), região Norte e Centro-Oeste (6,7%), região Nordeste (5,3%) e Rio de Janeiro (5,2%) tiveram taxas positivas.

Setorialmente, ainda no índice acumulado no ano, o valor da folha de pagamento real mostrou resultados positivos em 13 das 18 atividades pesquisadas, com destaque para meios de transporte (11,1%), alimentos e bebidas (5,3%), máquinas e equipamentos (7,3%), máquinas e aparelhos eletroeletrônicos e de comunicações (8,2%), indústrias extrativas (7,8%) e metalurgia básica (7,1%). O setor de papel e gráfica (-10,6%) assinalou o principal impacto negativo no total da indústria.

Observe que os dois setores mais interessantes, o de máquinas e equipamentos e o de aparelhos elétricos, registraram forte alta no acumulado do ano, de 7,3% e 8,2%, respectivamente, ou seja, taxas acima do crescimento geral do PIB, significando um avanço no índice de industrialização do país.

Confira agora o crescimento do índice de pessoal ocupado, por setor da indústria. Fiz um gráfico:

Repare que a maior parte dos setores, e os mais interessantes e estratégicos, apresentam alta na oferta de empregos. Resta saber porque a indústria de gráfica e papel apresentou uma queda tão forte. Não entendo como os jornais podem ter tanta gente trabalhando e não mandarem alguém investir isso.

Outra coisa, a queda na indústria se deu somente em São Paulo e Ceará. Tudo bem, é em São Paulo que se concentra boa parte da indústria nacional. Mas não só em São Paulo. Eu acho que a mídia deveria ter se aventurado a entrar em detalhes regionais e setoriais, até para dar um subsídio melhor a seus colunistas e editorialistas. É interessante saber, por exemplo, que Minas Gerais e Pernambuco registraram forte alta em seu emprego industrial.

 

E mesmo em São Paulo, muito setores da indústria registraram alta na oferta de emprego nos últimos 12 meses:

Como se vê, a queda foi localizada em alguns setores, com destaque para o de papel e gráfica. Mas setores estratégicos, como o de máquinas, o de aparelhos elétricos, a metalurgia básica, e meios de transporte, registraram um crescimento significativo nos últimos 12 meses.

Ao invés de críticas superficiais, monótonas, ao “governo”, os jornais deveriam ajudar o país (incluindo aí as autoridades) a saber o que se passa em nossa economia. De que adianta noticiar que o emprego na indústria caiu 0,4% em outubro, sem explicar exatamente como isso ocorreu, sem mencionar outros índices, mais positivos; enfim, que raio de informação é essa que mais atrapalha do que ajuda a formarmos uma ideia do que está acontecendo? Em sua obsessão doentia por más notícias, os jornais acabam efetivamente produzindo uma atmosfera depressiva, negativa, que evidentemente não estimula os industriais a investirem mais no país. E São Paulo, pelo visto, é o estado que sofre mais com isso.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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