New Yorker: A Ungida – Parte 6

 

A Ungida – Parte 6/13

Por Nicholas Lemann, da New Yorker. Tradução: Miguel do Rosário.

Ele vai aos quarteirões mais pobres, assim como se faz no Brasil. Então a gente foi à América Latina, África, Oriente Médio, e Ásia. Esse ano, se tudo for bem, estaremos exportando trezentos bilhões de dólares.” Seu dedo cutuca meu joelho. “O Brasil tem a oportunidade de crescer em parceria com países parecidos ao Brasil”.

Lula disse que o Brasil deveria ser aceito como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o pequeno corpo que detêm as principais cartas nas deliberações da ONU. Esta parece ser a mesa onde os políticos ciumentos se sentam, a que ele se referia antes, da qual o Brasil e outros países como ele são excluídos.

“Nós não temos o direito de manter a mesma visão do mundo que tínhamos em 1948”, ele disse. Ele se recosta um momento e procura ver se os seus assessores concordam. Eles concordam. “Como é que em 1948,  a ONU foi sábia o bastante para criar o Estado de Israel, e em 2011 não o é para criar o Estado da Palestina? Como é que a ONU permitiu que a Otan fizesse o que fez na Líbia, em vez de trazer a Líbia à mesa”.

Ele volta sua atenção para mim. “Eu vou te contar um episódio sobre o Irã”, ele disse. “Eu vou lembrar disso pelo resto da minha vida. Eu nunca havia falado com Ahmadinejad. Ele pediu para me encontrar em Nova York. Depois de nossa conversa, a primeira pergunta que fiz ele foi: Sr.Presidente, é verdade que você não acredita no Holocausto? Se sim, você é o único que não acredita. E o que ele disse foi: O que eu quis dizer foi, na Segunda Guerra Mundial, setenta milhões de pessoas morreram, e os judeus pensam que eles foram os únicos que morreram. Eu disse: Se é isso que você quer dizer, então diga isso. Setenta milhões de pessoas morreram. Os seis milhões de judeus não morreram simplesmente. Foi um genocídio. Eles não estavam na guerra. Então, no encontro do G-20, eu falei com Obama, Sarkozy, Merkel, Brown, Berlusconi.” Ele cutucou meu joelho de novo. “Eu disse: porque vocês não falam com Ahmadinejad? Vocês não podem fazer política se não falam com as pessoas”. Eu viajei ao Irã, contra a vontade de muitos amigos e presidentes, e o que aconteceu? Eles assinaram um compromisso sobre proliferação nuclear, justamente como o Conselho de Segurança queria que eles fizessem. Mas para minha surpresa, eles decidiram manter as sanções, como punição ao Irã. Por quê? Porque não foram eles que levaram adiante o acordo? Essa foi a primeira vez que eu tive o sentimento que o ciúmes em política é um assunto muito delicado”. Outra cutucada. “Eu falei muitas vezes com Bush e Obama. Eu dizia: Como vocês não vêem que a América Latina hoje é diferente de como era nos anos 60? Eu não acredito que vocês  não tenham ideia de como é o Brasil agora! Eu escuto políticos dizendo que devíamos tratar o Brasil da mesma maneira que tratamos qualquer outro país pequeno. Mas todos devem ser tratados com respeito.” Lula balançou a cabeça. “Talvez eu não tenha alcançado meu objetivo. O jogo internacional, não é fácil.”

Eu perguntei a Lula sobre o tema que estava na cabeça de todo mundo na política brasileira: quais eram seus planos? Ele evitou a questão, e listou os possíveis sucessores que ele considerou antes de escolher Dilma. “Eu conheci Dilma Rousseff um pouco antes da minha eleição em 2002”, ele disse. “A primeira vez que conversamos, quando eu estava esboçando meu plano energético, eu decidi que ali estava minha ministra de Energia. José Dirceu é um amigo, um companheiro fundador do PT, presidente do partido. Um camarada. Antonio Palocci é um dos caras mais inteligentes que eu conheci. Ele cometeu erros que não deveria ter cometido. Ambos estão temporariamente fora da política, e Dilma é nossa presidente. Eu os respeito a todos, e quanto a Dilma, eu admiro a sua competência, sua lealdade, e sua determinação.” Hoje, Dirceu é advogado no Rio de Janeiro, oficialmente banido da política até 2015. Palocci, que não sofreu nenhum banimento, entrou no mundo dos negócios.

Quando eu perguntei a Lula se ele poderia considerar concorrer à presidência novamente, ele disse: “Não existe isso de ficar fora da política para sempre. Apenas depois de morto, um político pode sair da política para sempre. Olhe para Jimmy Carter: ele falhou como presidente, e agora ele é o melhor ex-presidente em política. Eu o admiro enormemente. E Clinton – ele nunca perderá sua importância. Então o que acontecerá no futuro? Eu não sei. Eu já desempenhei meu papel no Brasil. Assim como eu não tenho coragem de dizer que eu irei concorrer a algum cargo em determinado momento, eu não coragem de dizer que não vou. Se a presidente Dilma quiser concorrer à reeleição, é seu direito. Ninguém pode negar a ela esse direito. Existe apenas uma maneira dela não fazê-lo: se ela não quiser. Nós temos muitos jovens no Brasil que estão no momento certo para concorrer à presidência. Eu permanecerei na política. Eu vou continuar viajando. Eu estive em vinte e um países somente este ano. Eu vou a mais vinte três até dezembro.” O diagnóstico de câncer impediu Lula de atinir esse objetivo. “Eu não nasci político. Eu estive fora da política até os 31 anso. Mas eu sei que irei morrer como político. Essa é minha sina.”

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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