A Ungida – Parte 5/13
Por Nicholas Lemann, da New Yorker. Tradução: Miguel do Rosário.
“Todo ano, eu tinha um encontro com as pessoas que viviam nas ruas”.
No início de sua trajetória, disse Lula, ele pensava em si mesmo como representando apenas os trabalhadores, mas desde então ele desenvolveu a visão universal que ele tem hoje. “Vou te contar uma história”, ele disse. “Eu era contra a política. Quando fizemos nossas primeiras greves”, no final dos anos 70, “eu não gostava de política, e não gostava das pessoas que gostavam de política. Eu achava que isso era sabedoria. Hoje, eu vejo que era ignorância. Os militares criaram categorias de profissões essenciais que não podiam fazer greves: professores, bancários, bombeiros, frentistas. Quando eu fui à Brasília pela primeira vez para falar ao Congresso, eu descobri que dos quinhentos e treze membros do Congresso havia apenas dois trabalhadores. Dois! Em 15 de julho de 1978, eu tive a ideia de criar o PT. Em novembro, eu, que não gostava nem um pouco de política, já estava fazendo campanha para o candidato a senador Fernando Henrique Cardoso”, significando que ele havia transcendido o paroquialismo para ajudar alguém que não era um companheiro-trabalhador. “Por que eu quis me tornar um político? Porque eu estava certo que eu podia fazer o que eu estava esperando que outros fizessem por mim. E nós fizemos mais do que estava em nossos planos”.
Se tivéssemos continuado as políticas de FHC, o Brasil teria quebrado”, diz Lula. “O Brasil deu certo apenas porque mudamos suas políticas. A única coisa que mantivemos foi a responsabilidade fiscal. Uma coisa – foi tudo. O que aconteceu depois de domada a inflação? Nós éramos muito ativos em política internacional. Por muitos anos, o Brasil não teve política de investimento. Não havia habilidade para gerar empregos. Nenhuma política para redistribuir a renda. E eu tive uma outra ideia, Nicholas: eu tive a ideia de que não havia sido eleito para brigar com meu antecessor. Eu não tinha tempo para brigar com ele, então eu decidi governar o país.”
Eu perguntei a Lula se a sua visão política havia mudado enquanto ele era presidente, especialmente na questão do manejamento da economia. “Eu acho que mudou”, ele disse. “Mudaram porque, uma vez que você se torna presidente, é como ser pai. Quando você é filho, você acha que seu pai tem todo o dinheiro do mundo para te dar. Quando você é oposição, ou líder sindical, você acha que o governo tem todo o dinheiro do mundo. Quando você se torna governo, você descobre que o governo não tem todo aquele dinheiro que você achava que tinha, e você tem contas que são vinte vezes o que você pode pagar. Então eu vi que a economia não era tão fácil como eu pensava quando eu era um líder sindical, mas eu também descobri que não era tão difícil como algumas lideranças políticas diziam. A gente tinha que distribuir a renda para poder crescer. Os economistas não achavam que isso era possível. Nós provamos que era possível crescer, distribuir riqueza, e fazer isso com inclusão social sem inflação. Hoje o Brasil tem trezentos e cinquenta bilhões de dólares em reservas. Não devemos um centavo ao FMI e o FMI nos deve catorze bilhões.”
Sobre o papel do Brasil nas questões internacionais, “eu descobri uma coisa em política: uma grande ciumeira entre os políticos”, disse Lula, sacudindo tristemente a cabeça. “Aqueles que já estão sentados à mesa, tomando parte num banquete, não querem que ninguém mais possa desfrutar do banquete”. Logo após a sua posse, ele disse, ele discursou sobre a fome no sul do Brasil e depois foi a Davos, Suíça, para a convenção anual dos senhores da economia global. “Eu fiz o mesmo discurso sobre a fome. Eu sou possivelmente o único político que expressou a mesma mensagem no Fórum Social e no Fórum Econômico em Davos, e quando eu voltei pra casa eu tisse a meu ministro de Relações Exteriores que a gente precisava trabalhar duro para mudar a geografia comercial e política do mundo.
Nós tomamos a decisão de fortalecer nossas relações com o Oriente Médio, China, Índia e África, sem cortar nossas boas relações com EUA e Europa. Nossa ideia era diversificar nossas relações o máximo possível; queríamos fazer negócio com muitos países. Eu queria ser como vendedor de rua, um camelô. No Brasil, nós o chamamos Turcos. Eles levam mercadorias numa mala e tapetes e roupas sob seus braços”.
Ele rapidamente representou o personagem de um Turco: ele inclinava-ser sob o peso de uma sacola imaginária, com seu rosto vincado por uma expressão de grande esforço, e deu a volta em torno de sua cadeira. “Eu tinha a imagem de minha mãe comprando produtos em sua porta. Eu pensei que o Brasil tinha certas limitações perto dos EUA, que tem mais tecnologia que o Brasil e compete com nosso setor agrícola. Então o que tínhamos que fazer? Olhar para os parcerios que eram semelhantes ao Brasil. O vendedor de rua não vai vender seus produtos na avenida mais sofisticada ou no bairro mais rico de Nova York.