A mídia brasileira, em linha com pensamentos de setores da elite, pensa que vive na Europa ou nos EUA. Até o baixo astral econômico ela copia de lá. O IBGE acaba de divulgar o crescimento do PIB no terceiro trimestre do ano. No Globo, temos uma matéria bastante completa, da qual reproduzo o gráfico abaixo:
Na mesma linha, o ministro da Fazenda anunciou que o crescimento do PIB este ano não deverá mais ser os 3,8% esperados e sim algo em torno de 3%.
Você também pode ouvir a elegante Rebeca de Palis, gerente de Contas Nacionais do IBGE, explicando os números divulgados.
O que me parece estranho, porém, é o vocabulário empregado. Parada, estagnada, desaceleração. A impressão que o leitor terá é que todo mundo pendurou as chuteiras, botou os pés para cima e espera a tempestadade passar antes de voltar à labuta.
Não é verdade. A geração de empregos este ano foi gigantesca. O ritmo caiu nos últimos meses, por razões que já expliquei aqui. Não dá para gerar saldo recorde todo mês. Falta população economicamente ativa para isso. A única bóia que a gente deve se agarrar, para entender esse mundinho complicado da economia, é a taxa de desemprego. Se ela cai, significa uma economia aquecida.
Em 2010, tivemos uma taxa de crescimento bem acima da nossa média. E aí vejam vocês, no terceiro trimestre deste ano, crescemos sobre 2010.
O PIB do terceiro trimestre deste ano cresceu 2,1% sobre o mesmo período de 2010, que foi um ano que apresentou um dos maiores crescimentos da história recente. Isso explica a aparente contradição de estamos vendo crescimento baixo e enorme geração de empregos. Imagine que eu corra em média 1 quilômetro por dia. Daí um dia eu corro 2 quilômetros, batendo meu recorde pessoal num dia. Se no dia seguinte eu correr 2,01 km, estarei registrando um crescimento bem pequeno em relação ao dia anterior, mas mesmo assim apresentando um grande desempenho!
O problema do baixo crescimento percentual de uma economia só é um problema se num ano o país experimentar queda no PIB e a situação se repetir no ano seguinte.
Quando se trata de um país que goza de uma vigorosa atividade econômica, como os EUA por exemplo, um crescimento de 3% (como se espera no Brasil em 2011), é um número extraordinário.
O Brasil, diferentemente da China, Índia ou mesmo Rússia, encerrou seu período de concentração urbana, quando milhões de imigrantes aceitam trabalhar a salários de fome em vista da imensa oferta disponível de mão-de-obra que aparece subitamente nas cidades, vindos do interior profundo dos países. Será muito dificil crescer a níveis superiores a 4% nos próximos anos. O governo tem a meta de crescer 5% em 2012 porque é importante a gente pensar grande para realizar o médio.
O mais interessante é que, no fundo, um crescimento modesto, desde que mantendo o desemprego baixo, tem uma utilidade: ajuda a segurar a inflação e permite, finalmente, uma sequência mais duradoura e incisiva de redução dos juros. Esta é, aliás, a grande notícia: mercado e governo concordam que há espaço para uma boa redução dos juros.
Os números do IBGE mostram o Estado brasileiro com grande liquidez e saúde financeira, um elemento fundamental para afastarmos os temores que hoje rondam a Europa, de piora dos serviços públicos.
Entretanto, o próprio Keynes – sim, o próprio – refletia (ler meu artigo Keynes já conhecia o PIG) sobre o papel negativo da mídia quando, por motivos políticos, tem interesse em promover uma atmosfera de pessimismo. Ela acaba induzindo realmente uma queda nos investimentos privados. Os jornais brasileiros tem estampado diariamente manchetes apocalípticas sobre a Europa. E, no entanto, o Brasil não depende mais tanto da Europa. A maior parte de nossas exportações de manufaturados vai para América Latina e Caribe. A Europa é o mercado mais fechado do mundo: só compra soja bruta, ferro, produtos básicos em geral, e quando importa manufaturados do Brasil em geral são produtos de baixo valor agregado.
Quando o Brasil vivia recessões terríveis, desemprego, falta de esperança, suponho que o Le Monde não aterrorizava diariamente os pacatos franceses com manchetes aterradoras sobre a situação brasileira. Eles não estavam nem aí para nossa crise. E agora, aqui estamos nós, diante de uma situação totalmente distinta da Europa, com grandes reservas de ouro, água potável, hidroenergia, ouro, petróleo, recursos agrícolas e minerais, uma base industrial em expansão (os setores de bens de capital são os que mais crescem no Brasil) e um desemprego em seu nível mais baixo de que se tem memória no país. E mesmo com tudo isso, eu sou obrigado a ler (por razões profissionais), no Estadão, um artigo dizendo que “talvez” tenhamos esgotado um ciclo de crescimento, trazendo uma série de argumentos estapafúrdios e contraditórios, como a melhora da situação social. Ora, agora que melhoramos a renda do brasileiro, vamos dizer que isso é negativo? Só falta essa! Se tem mais gente com dinheiro e emprego no Brasil, é óbvio que a base para a expansão econômica se torna mais sólida!
O Brasil não é Europa. Temos uma população jovem, eles tem uma população muito envelhecida. Temos recursos naturais, eles não tem. Temos a situação fiscal mais pujante de nossa história, a deles está numa fase muito ruim. Enfim, se listarmos todos os índices econômicos e sociais conhecidos e compararmos os dois, veremos que é decididamente idiota a gente cometer esse desatino de nos espojarmos num pessimismo que não nos diz respeito. Os jovens europeus e norte-americanos já vivenciaram décadas emocionantes de liberdade, riqueza, sonhos, revolução cultural. Os jovens brasileiros merecem um pouco de felicidade também, pô!