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New Yorker: A Ungida – Parte 3

Terceira parte da minha tradução do artigo da New Yorker.

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A Ungida – Parte 3/13

Por Nicholas Lemann, da New Yorker. Tradução: Miguel do Rosário.

 

Lula se tornou altamente bem sucedido por os padrões de sua família, quando ele obteve um emprego como metalúrgico numa fábrica da Volkswagen em São Paulo. Ele era ativo no sindicato dos metalúrgicos, e tornou-se uma autoridade sindical, liderando greves e fazendo oposição ao regime militar. Passou um breve período na prisão. No fim dos anos 70, ele ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, que todos chamam PT. É o partido de Rousseff também, embora ela só tenha se tornado um membro a partir de 2000.

Em 1985, a ditadura militar acabou. Em 1989, Lula, naquela época um membro do congresso nacional, participou da primeira eleição direta desde o fim da ditadura, e perdeu. O Brasil ainda engatinhava como democracia. Em função de um complicado sistema de voto proporcional, mais de vinte partidos estavam representados no congresso. O PT era um partido atípico em sua ambição de governar o país; a maioria dos outros era o que os brasileiros chama de “fisiológicos”, significando que eles não fingiam nenhuma ideologia além de seus interesses regionais. Existem trinta e oito ministérios, a maioria dos quais  funciona como máquinas clientelistas para os pequenos partidos, em troca de seu apoio à coalizão governamental. (A que apoia o PT atualmente engloba dezesseis partidos.)

No início dos anos 90, o Brasil tinha uma das mais altas taxas de inflação do mundo: em 1993, a inflação era de mais de dois mil por cento ao ano. A reduzida classe média estava relativamente protegida de seus efeitos, porque todo contrato, salário, e benefícios, eram ajustados automaticamente pela taxa de inflação. Mas os pobres tinham que gastar seu salário imediatamente após recebê-lo, antes da alta no preço dos alimentos. “Dinheiro era como gelo derretendo em seus bolsos”, diz Arminio Fraga, um economista que então trabalhava para o governo.

Depois de uma série de batalhas perdidas contra a inflação, um presidente chamado Itamar Franco trouxe para o ministério da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, um aristocrático acadêmico (na verdade um sociólogo, não economista) com a reputação de ser levemente esquerdista. Cardoso desenvolveu um plano anti-inflação que finalmente deu certo, através sobretudo da eliminação do sistema monetário corrente e sua substituição pelo Real. O sucesso do Real fez de Cardoso um herói. Como Fraga explica, “ficou muito claro que aquele que matasse o dragão, poderia desposar a princesa.”

Cardoso elegeu-se presidente em 1994 e foi reeleito em 1998. Ele manteve a inflação baixa e privatizou uma série de empresas controladas pelo governo. Antes dele assumir o cargo, o governo possuía a companhia telefônica e demorava-se mais de dois anos para conseguir instalar uma linha telefônica em sua residência, a menos que você se dispusesse a comprar a linha de alguém por milhares de reais. As políticas de Cardoso tornaram possível ao Brasil participar da economia global.

O adversário de Cardoso em suas duas eleições foi Lula. Eles conheciam-se um ao outro desde os anos 70, e tiveram um relacoinamento conturbado. Lula concorreu duas vezes contra Cardoso como o candidato da esquerda, acusando-o de ser uma marionete dos mercados e oferecendo, por sua vez, o clássico programa político latino anti-capitalista de aplicar moratória na dívida pública, nacionalizar a indústria e romper com o Funo Monetário Internacional. Esse programa tornou-o insuportável aos empresários e à classe média, que receava que Lula, se presidente, se espelharia em Fidel Castro. Ele perdeu feio nas duas vezes. Cardoso escreveu em suas memórias que os dois pararam de conversar um com outro por cinco anos, e numa ocasião Cardoso processou Lula por difamação.

Em 2002, Cardoso retirou-se da disputa, e Lula mais uma vez disputou a presidência. Desta vez, ele fixou-se ao centro. No verão anterior às eleições, ele divulgou uma Carta aos Brasileiros, onde se comprometia a continuar o programa econômico de Cardoso (sem dar crédito por tê-lo criado). Quando ganhou, vencendo o candidato escolhido por Cardoso, os mercados brasileiros entraram em pânico. Mas Lula seguiu o caminho que havia prometido.

Enquanto manteve a política fiscal e monetária ainda mais disciplinada do que os EUA durante o mesmo período, ele simultaneamente pegou alguns programas sociais do governo anterior e ampliou-os a uma escala muito maior, e rebatizou-os como Bolsa Família. O Bolsa Família afeta diretamente um quarto da população brasileira – cinquenta milhões de pessoas – seja dando dinheiro para as famílias mais pobres ou pagando aos pais de baixa renda um estipênio, sob condição de que eles vacinassem suas crianças e as mandassem à escola. Ele também presidiu a criação do primeiro sistema crédito voltado aos trabalhadores, chamado crédito consignado, dando aos bancos o direito de deduzir empréstimos diretamente de seus contracheques. Nenhum desses planos poderia ter funcionado se Cardoso não tivesse domado a inflação, mas foi Lula que levou a fama.

Em 2005, os jornais brasileiros descobriram um monstruoso escândalo, chamado “mensalão”; o PT vinha fazendo pagamentos regulares a seus aliados para manter a política e coalizão. O escândalo derrubou os dois aliados mais importantes de Lula, que eram seus sucessores em potencial: Antonio Palocci, seu ministro da Fazenda, e o principal responsável por manter as orientações econômicas de Cardoso; e José Dirceu, seu chefe de gabinete, outro ex-radical que havia sido preso nos anos 60. (Seus colegas sequestraram o embaixador americano no Brasil e conseguiram, como resgate, liberar Dirceu e outros prisioneiros. Dirceu então mudou-se para Cuba, fez cirurgia plástica para disfarçar o rosto, e, poucos anos depois, retornou secretamente ao Brasil sob um nome falso). A queda de Palocci e Dirceu foi a razão da ascensão de Dilma Rousseff.

As políticas de Lula foram tão bem aceitas que ele se reelegeu em 2006, apesar do escândalo do mensalão. Durante o segundo termo, num período de altos preços para commodities, o Brasil se tornou o principal fornecedor de alimentos e minério de ferro para a China, e a China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil.

(continua…)

 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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