A Ungida – Parte 2/13
Por Nicholas Lemann, da New Yorker. Tradução: Miguel do Rosário.
O imenso espaço aberto do Planalto foi desenhado como uma espécie de auditório, ocupado por cadeiras dobráveis e um estrado. Os assentos plenos de repórteres, membros do Congresso Nacional e ministros de menor importância. Após alguns minutos, Rousseff irrompeu de cima por uma rampa branca espiralada que serve de escada entre o auditório e o andar de cima, seguida pelos ministros do alto escalão e uma penca de lideranças da indústria, todos envolvidos em negócios com o governo. A repórter a meu lado na seção de imprensa, Angela Pimenta, me cutuca e sussurra, “a gente chama esse grupo de O PIB”.
Após as autoridades tomarem seus lugares, o programa tem início, com um açucarado vídeo sobre o compromisso do Brasil com o crescimento e a inovação. Um desfile de ministros sobe no altar e anunciam um programa abertamente protecionista: tarifa sobre as importações, subsídios para os exportadores, favorecimentos especiais para as indústrias domésticas. A presidente Dilma Rousseff, trajando um vestido azul escuro, monárquica e impassiva, espera o fim dos discursos e aí se levanta e fala, com uma voz grave e sonora. Em sua juventude, Rousseff teve sua foto impressa em cartazes da polícia, usando óculos de lentes grossas e uma cabeleira escura e ondulada. Hoje ela está mais para austera, alguém que prende a atenção mas sem aquele ar natural dos políticos que sabem exatamente o que a audiência quer ouvir. “O momento atual exige coragem e ousadia”, diz ela. “Precisamos proteger nossa economia, nosso mercado de consumo, nossos empregos. É imperativo proteger a indústria brasileira da concorrência desleal da guerra cambial. Nossas fábricas e nossos trabalhadores precisam saber que o governo está a seu lado. Assim como não imaginamos nosso desenvolvimento sem inclusão social, não podemos imaginá-lo sem uma indústria inovadora, forte e competitiva”.
A principal preocupação de Rousseff é com a queda nas taxas de crescimento e o aumento da inflação. Os Estados Unidos parece estar sempre em sua lembrança; é um exemplo de como não reagir à crise financeira global, e como um competidor econômico que, na sua visão, está deixando o dólar se desvalorizar para invadir o Brasil e outros países com seus produtos irresistivelmente baratos. A nova política econômica de Rousseff tem como objetivo afastar os efeitos da crise, e provar que o Brasil não será afetado pelas extravagâncias do país mais poderoso do Hemisfério Ocidental. Ela conclui o discurso com uma citação de um proeminente economista brasileiro: “Nossa economia não é mais liderada de fora mas de dentro para fora. Temos em nossas mãos as ferramentas da autodeterminação que no passado esteve em mãos das nações ricas”. O público aplaude de pé, polidamente, e ela deixa o palco.
A política no Brasil gira em torno de uma grande figura, e não é Dilma Rousseff. É seu predecessor, Luis Inácio Lula da Silva, conhecido pelos brasileiros e pelo resto do mundo, simplesmente como Lula. Quando ele terminou seu mandato, em janeiro, Lula tinha uma aprovação superior a oitenta por cento. (A equipe de Rousseff faz pesquisas constantemente e diz que, em menos de um ano de gestão, ela tem setenta por cento de aprovação). Nos últimos cinco dos oito anos de presidência de Lula, Rousseff trabalhou como ministra da Casa Civil, uma posição sem correspondência nos EUA; é uma espécie de primeiro ministro de todas as funções internas do governo, e a quem os outros gabinetes devem se reportar. Lula ungiu-a como sucessora em 2010, um ano após ela conseguir curar-se de um linfoma, e fez campanha para ela. Rousseff jamais havia disputado um cargo eletivo. Ele é presidente hoje graças à determinação de Lula de fazê-la presidente. Sua vitória precisou de um segundo turno, porque ela não obteve os cinquenta por cento dos votos no primeiro round, e ganhou apenas em função do impressionante apoio que recebeu da parte do Brasil para quem Lula é quase um deus – os pobres, afro-brasileiros do Nordeste. Ela perdeu no sul, onde passou a maior parte de sua vida.
Comparados à Lula, os presidentes norte-americanos de origem humilde parecem aristocratas. Ele nasceu de um pai alcóolatra que teve duas famílias em diferentes cidades – vinte e dois filhos no total. Lula deixou a escola na quarta série. Começou a trabalhar como torneiro-mecânico aos catorze, e perdeu um dedo num acidente quando tinha dezenove anos. A sua primeira mulher adoeceu gravemente durante a gravidez do que seria seu primeiro filho; ela morreu porque não teve acesso a um tratamento decente.
(continua…)