FHC, apóie a descriminalização da política!

Para abrir o dia, que promete ser quente e chuvoso em quase todo Brasil, trouxe-lhes Amy cantando Garota de Ipanema. Nada como um pouco de música para enfrentar as notícias. Mas até que os jornais amanheceram calmos nesta quarta-feira. Só que alguém terá de persuadir nosso ilustre ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a lutar pela descriminalização não apenas da maconha, mas também da política. O Estadão hoje estampa manchetão para denunciar que fabricantes de trens VLT se articularam politicamente para convencer parlamentares do Mato Grosso sobre as vantagens… dos trens VLT. FHC, depois de soltar a fumaça, poderia explicar a Leandro Colon, repórter do Estadão, que o estranho seria que fabricantes de VLT defendessem o uso de ônibus. E que os empresários de ônibus com certeza também fizeram seu lobby para puxar a sardinha para seu lado. É assim que a banda toca, bicho. Isso não é crime.

O engraçado na matéria do Estadão é que a denúncia não é de um empresário pagando um deputado para convencê-lo a ficar do seu lado. O presidente da assembléia legislativa do Mato Grosso é que pagou um especialista – vejam só que “criminoso” – para mostrar as vantagens de um trem de superfície para a cidade de Cuiabá. Outro “crime”: empresa de trem que ajudou o especialista a escrever sobre as vantagens do trem quer participar da licitação da construção dos trens. Ou seja, o empresário tem mesmo é que fazer tudo por baixo dos panos. Esse negócio de transparência dá nisso: manchete no jornal. Agora, sem brincadeira. Quantas empresas de VLT o Estadão acha que existem atuando no Brasil? O que tem de errado uma empresa querer participar, honesta e democraticamente, de uma licitação pública?

Existe muita corrupção no Brasil, e nem estou dizendo que o caso dos trens não envolva nenhum tipo de ilegalidade. Mas o Estadão até agora não apontou nenhuma. Se eu tenho uma empresa de trens, ou trabalho para uma, é obrigação minha lutar para que o governo aprove a construção de uma linha de trem. Afinal, é o tipo de negócio que somente o governo pode fazer.  E mesmo que Leandro Colon descubra que um amigo do filho do assessor do parlamentar que está defendendo trens para Cuiabá andou de carona na moto do sobrinho do fabricante de trens, ou coisa mais grave, isso não muda a minha opinião básica: precisamos construir trens de superfície nas cidades brasileiras, ao invés de implantar mais linhas de ônibus. É mais rápido, mais confortável, mais moderno e ambientalmente mais correto. No longo prazo, caro Leandro, representará uma enorme economia para o Mato Grosso e para o Brasil. O barato sai caro, não se esqueça. FHC, que o diga: um dia lhe ofereceram uma maconha tão barata, que ele sequer conseguiu experimentar, de tão horrível que era o cheiro. Ele mesmo conta numa entrevista para a revista Trip (vale a pena a digressão):

Trip: O senhor já fumou maconha?
FHC: Não. E vivem dizendo que eu já experimentei. Uma vez eu disse em uma entrevista que, nos anos 70, eu estava com uns primos meus, jovens, em um restaurante em Nova York. Passaram um cigarro de maconha, e eu achei o cheiro horrível. E aí disseram que eu fumei, mas não traguei, essas coisas. Mas eu nunca traguei nem cigarro. Eu não teria problema nenhum em dizer que eu experimentei. Mas a realidade é essa: a vez em que eu estive mais próximo de maconha foi em um bar elegante de Nova York.

Nossa, gente chique é outra coisa. Enquanto isso, eu tive que conviver com todos aqueles maconheiros pobres e suburbanos da UERJ… Agora, é impressão minha ou FHC “dedurou” seus primos? Eehe, deixa pra lá.

FHC, por favor, precisamos de sua verve. Fabricantes de trens VLT não podem defender trens. Políticos não podem bancar estudos para defender trens. O Ministério das Cidades não pode mudar um parecer para dar preferência a trens. E as obras do PAC não podem incluir trens porque é mais caro do que “linha de ônibus”.

Maravilha. Então esqueçamos trens de superfície, e multipliquemos o número de ônibus em nossas cidades. Quem não gostar, que compre um helicóptero! Não é assim que fazem em São Paulo?

FHC, não vá embora. Vamos queimar tudo até a última ponta. Estão tentando detonar Lupi por ter sido “funcionário fantasma” na Câmara. Pois bem, lembre aos jornais que a sua filha, Luciana, trabalhou anos a fio no escritório do senador Heráclito Fortes, e quase nunca pisou os pés por lá. E foi perdoada pelo TCU. Com uma diferença. Lupi exercia uma função política. Trabalhava para a liderança do PDT na Câmara. Por mais que isso seja considerado um absurdo inominável para o Estadão, que publicou hoje um editorial furibundo, o PDT não representa exatamente interesses privados; pois é um partido cuja razão de ser vem do mandato popular e democrático de seus membros eleitos. É ridículo exigir que um assessor com funções exclusivamente políticas como Carlos Lupi permanecesse restrito aos limites físicos da Câmara. O Estadão acha que ele trabalharia mais assim? Que justificaria melhor o gasto do contribuinte? Quer dizer que se Lupi permanecesse na Câmara, conversando no MSN, bem comportado, aí estaria tudo legal? Ora, se a filha de FHC foi fantasma, eu não sei. Mas Lupi evidentemente não era, visto que se tornou presidente do partido e, logo depois, ministro de Estado. E durante a sua gestão no ministério, o Brasil atingiu o menor desemprego de sua história.

Enquanto isso, em São Paulo, o escândalo Controlar e seus tentáculos Brasil a fora foram prudentemente varridos para debaixo do tapete. Não encontrei absolutamente nada no Globo, Folha ou Estadão. Bem, talvez haja alguma notinha publicada na página Y 47 que eu não tenha visto.

Ah, minto, tem sim uma notinha lacônica no Panorama, do Globo:

E só.

Enquanto isso, candidatos tucanos debatem durante expediente.

Mas eu dou ao menos um parabéns à imprensa brasileira. Ajudou a derrubar esse cara:

A Controladoria Geral da União (CGU) divulgou ontem um relatório onde aponta fortes irregularidades (aqui e aqui) na gestão de Wagner Rossi. A presidente Dilma foi esperta, ao dar uma de migué e deixar que a imprensa a ajudasse na faxina.

Abaixo a capa dos jornalões desta úmida quarta-feira.

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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