A Folha e o emprego

Editorial da Folha deste domingo merece comentários intercalados, que estão em negrito itálico.

Emprego pior – EDITORIAL FOLHA DE SP

27/11/11

Dados relativos ao mercado de trabalho indicam que desaceleração
da economia já afeta oferta de vagas e rendimento do trabalhador

Essa afirmação não é rigorosa. Explico melhor isso adiante.

A perda de ritmo da economia começa a afetar o mercado de trabalho. Se o crédito, o consumo e a indústria vinham desacelerando desde o primeiro semestre, observam-se agora sinais de queda do dinamismo nas contratações.

A pesquisa mensal do emprego do IBGE mostra que a taxa de desocupação permanece em 6% há vários meses, valor próximo do mínimo histórico. Mas por trás dessa aparente estabilidade esconde-se uma realidade menos favorável. A criação de novas vagas vem desacelerando. Caiu de 4% ao ano, no fim de 2010, para apenas 1,5% em outubro, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Já expliquei isso em outros posts. É matemática pura. Se o desemprego cai muito, isso gera necessariamente uma redução dos saldos nos meses seguintes. O que esperam? Que os saldos de geração de emprego cresçam mais do que a quantidade de mão-de-obra disponível? Se tá caindo o desemprego, então o mercado de trabalho está firme e aquecido.

Por sua vez, o crescimento da renda real dos trabalhadores (já descontada a inflação) também perde força. De 4%, em média, no primeiro semestre, chegou a quase zero em outubro. Parte da desaceleração decorre da inflação mais alta no início do ano, que corrói os salários, mas não deixa de ser surpreendente que se verifique com tanta intensidade num contexto de desemprego ainda baixo.

Não é surpreendente, é outra relação lógica. Se são gerados 2 milhões de novos empregos, 80% desses novos empregos são trabalhos simples, que pagam pouco mais de salário mínimo, isso impacta na média geral. A renda média do trabalhador é um dado absolutamente fictício. O dado real é o salário real de um trabalhador específico. Se nenhum trabalhador hoje está tendo seu salário reduzido; ao contrário, os reajustes que tem sido dados aos trabalhadores continuam sendo acima da inflação, então não há queda na renda, em termos concretos, para os trabalhadores.

Os dados relativos à criação de vagas formais, divulgados pelo Ministério do Trabalho, mostram padrão similar. Em outubro, gerou-se menos da metade das vagas da média do primeiro semestre, num patamar comparável ao do período 2004-2006, que precedeu a aceleração do crescimento da economia durante o segundo mandato do presidente Lula.

Já expliquei isso. Com o desemprego no Brasil caindo abaixo de 6%, será obviamente impossível gerarmos saldos de 2-3 milhões de postos de trabalho ao ano. Só se permitíssimos migrações em massa da população inteira do Peru e da Bolívia.

O emprego é um dos últimos indicadores a reagir ao processo de perda de força da economia. Custos de contratação e demissão levam as empresas, em geral, a esperar sinais de confirmação de uma tendência antes de decidir alterar o quadro de pessoal. Por isso, mudanças de padrão no comportamento do mercado de trabalho tendem a ser duradouras.

Fatalismo sem base. Pessimismo blasé ignorante. As perspectivas para 2012 são de crescimento econômico maior que este ano. Aliás, a economia brasileira já dá sinais de reaquecimento, ao contrário do que diz a Folha. No Globo de hoje mesmo, claro que escondido (como fazem com boas notícias), há uma nota intitulada “Analistas acreditam em recuperação em 2012“.

É digno de nota que a criação de emprego volte ao padrão anterior ao da euforia do período 2007-2010. E não parece ser coincidência que o crescimento do PIB se encaminhe para 3% ao ano, se não menos, nível que, no Brasil, vinha sendo a regra há mais de duas décadas.

zzzz. O estilo pomposo esconde sua pobreza conceitual. Em primeiro lugar, não se avalia um país apenas por seu PIB, mas por uma série de fatores: dívida pública, crédito disponível, renda somada do trabalhador, desemprego, nível de industrialização, ocupação das terras agricultáveis, taxa de analfabetismo, percentual de pobreza, consumo, venda de computadores, etc. Em todos esses índices, o Brasil apresenta um avanço considerável em relação ao passado. Ele pode até crescer 3%, mas é um crescimento com desemprego baixo. Além disso, as taxas de crescimento tem sido maiores nas unidades da federação e nas camadas sociais mais pobres.

Será apenas uma desaceleração temporária, fruto do aperto nos juros no fim do ano passado e da piora do cenário global? Ou se trata de uma evidência de esgotamento de algumas forças que impulsionaram a economia nos últimos anos, como o boom do crédito e dos preços em alta das commodities?

Oh, vira essa boca para lá, urubu. O que vocês viram até aqui foi só o começo, não o fim! As grandes indústrias ainda nem ficaram prontas. Temos dezenas de projetos gigantescos em andamento. Cito apenas as refinarias de Pernambuco e  Rio, que serão as maiores da América Latina. Temos as obras da Copa, incluindo o trem de superfície em Cuiabá, que vocês preferiam trocar por “linha rápida de ônibus”.

O tempo dirá. Por ora, o governo se move, cortando juros, afrouxando o crédito e liberando novas dívidas nos Estados para investimentos. Se a crise externa se agravar, possivelmente novas medidas virão. Fica, no entanto, a dúvida se o país conseguirá, com novos estímulos, gerar crescimento alto e sustentável, com aumento dos investimentos, ou se colherá apenas um pouco mais de inflação.

Dúvida sempre há. Pode cair um meteoro no planeta e matar todo mundo. Ou acontecer uma invasão de ets assassinos. Mas os números revelam que a economia brasileira está sólida, os investimentos continuam fluindo em grande quantidade para cá, o consumo das famílias sobe fortemente ano a ano, a soma da renda do trabalhador já subiu 22% este ano. Temos recursos naturais de grande abundância. Ah, e o pré-sal! Não vamos esquecer do pré-sal, que em 2012 já começa a produzir alguma coisa. Agora descobrimos novas reservas de ouro em profundidade, o que deve nos tornar o maior produtor mundial deste minério. Enfim, não faltam dados que nos permitem vislumbrar um cenário bastante positivo para o futuro do Brasil. Esse editorial gótico não está sintonizado com a realidade estatística nem com a opinião dos especialistas mais embasados. Enfim, há fundamentos para se prever que o Brasil viverá anos de bonança; com sorte e trabalho serão muitos anos.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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