Serra é dessas figuras sobre as quais a gente fala: não existisse, teríamos que inventar. E devemos tirar o chapéu para uma coisa: o homem sabe se manter na mídia e não tem papas na língua. Desde que perdeu a eleição em 2010, não pára de fazer barulho. Literalmente. Na página A4 da Folha, o ex-governador figura como o protagonista de um autêntico conto político. Aliás, parabenizo as repórteres Daniela Lima e Vera Magalhães pela coragem de iluminar com franqueza um dos quadros mais marcantes da história política contemporânea.
Marcante, porém, na acepção mais negativa que se pode conferir ao termo. Está para nascer alguém tão desagregador. Estivéssemos em guerra com a Argentina, um plano brilhante de vitória seria mandar Serra para se juntar às tropas de Buenos Aires.
Dessa vez, a briga de Serra é para que o PSDB, o partido mais forte de São Paulo, que governa São Paulo, o seu partido, não tenha candidato próprio nas eleições do ano que vem na capital. Em vez disso, Serra prefere apoiar o candidato de Kassab, Afif Domingos. Ou seja, o candidato de um partido que acabou de nascer, que ainda nem possui tempo de TV, e que orbita junto ao governo ao qual o PSDB faz oposição.
Serra, no entanto, não é burro. Ele sabe que o PSDB está numa situação delicada, e por isso tenta uma jogada surpreendente. Tipo: sacrificar um cavalo aqui para dar um cheque mate três lances à frente.
Merval Pereira e Noblat, paranormais contratados pelo Globo para decifrar os planos políticos mais recônditos de Lula e Dilma (se erram sempre é porque os petistas mudam de plano toda hora, provavelmente para ludibriá-los), evitam ler o que vai escrito no córtex cerebral de José Serra, de maneira que não podemos saber o que ele pensa. Mas a sua nova cartada sugere que ele vê o PSD como uma força estratégica para as eleições presidenciais de 2014, que já confessou ser a sua única e exclusiva preocupação.
Talvez Serra entenda que uma aliança (hoje improvável, mas quem sabe o que pode acontecer) entre PSDB, PSD e o PSB de Eduardo Campos representa a única chance real de apear o PT do Planalto.
Essa é única explicação, a meu ver, para Serra pretender impor uma análise tão bizarra do quadro eleitoral paulistano em 2012. Vai ser uma eleição disputada, com certeza, mas me parece evidente que, se o PSDB tem chance em algum lugar, esse lugar é São Paulo. Ao dispensar a prefeitura de SP, Serra faz uma aposta muito arriscada, justificável apenas se integrar uma estratégia extremamente maquiavélica e brilhante para as eleições de 2014.
Por mais divertida que seja, a matéria de hoje na Folha gera um problema sério para Serra, que pode levá-lo inclusive a sair do PSDB, e migrar para o PPS, hipótese que ele mesmo andou plantando em jornais.
O maior problema de Serra é que ele não tem cargo eletivo, o que o obriga a um comportamento escandaloso que mantenha seu nome em evidência. Será difícil, porém, continuar nessa toada até 2014. Por isso mesmo, é possível que o tucano esteja encenando uma espécie de drama apenas para ganhar mais visibilidade. A sobrevivência de Serra depende, de uma forma ou outra, das eleições paulistanas. Seu dilema é que ele não quer passar quatro anos admininstrando um município se ele pode muito bem, daqui a três anos, se candidatar ao governo de São Paulo, ou disputar novamente a presidência da república.
Deixo-lhes com os infográficos da Folha e esta deliciosa peça de literatura e fofoca política. Assinar o Cafezinho custa 50 paus ao mês, assistir o Serra dar piti com seus correligionários, não tem preço. Uma pena que não temos vídeos dessas escaramuças. Seguramente, tornar-se-iam o sucesso da temporada no Youtube ver Serra brigando com um garoto de 20 anos, presidente da Juventude Tucana, porque omitiu seu nome num jornalzinho cuja circulação foi de 94 exemplares.
Serra diz que tucanos não têm candidato viável, e PSDB reage
Ex-governador defende aliança com Kassab e diz que se afastará da campanha se partido insistir em nome próprio
Cúpula partidária divulga nota para reafirmar disposição de realizar prévias para escolher seu candidato
DANIELA LIMA
VERA MAGALHÃES, DE SÃO PAULO
O ex-governador José Serra apresentou à direção do PSDB o diagnóstico de que o partido não tem candidato viável para disputar a Prefeitura de São Paulo nas eleições do próximo ano e deveria apoiar o vice-governador Guilherme Afif, filiado ao PSD.
O PSDB planeja realizar prévias em janeiro para escolher seu candidato a prefeito, mas a ausência de nomes conhecidos do eleitorado entre os quatro pretendentes que se apresentaram até aqui tem gerado dúvidas sobre a estratégia dos tucanos para 2012.
A investida de Serra contra a realização das prévias levou a cúpula do PSDB a reagir ontem com a publicação de uma nota em que o partido se declara disposto “de maneira inconteste” a disputar as eleições com candidato próprio.
O desgaste nas relações de Serra com a direção do partido aumentou no fim de semana, quando o ex-governador discutiu por telefone com o presidente do diretório estadual, Pedro Tobias, conforme os relatos que Tobias fez a três pessoas de sua confiança.
Segundo esses interlocutores, Tobias disse a Serra que sua avaliação sobre a falta de competitividade dos candidatos tucanos era uma “bobagem completa” e que o partido não pode abrir mão da candidatura própria em 2012.
Serra afirmou a Tobias que não se envolverá na campanha se o partido insistir em lançar candidato próprio e vetar a aliança com o PSD, o partido criado neste ano pelo prefeito Gilberto Kassab.
Derrotado nas eleições presidenciais de 2010, Serra tem recebido apelos para se candidatar a prefeito, por ser o tucano mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. Mas ele nega ter interesse em participar da disputa.
A reação do PSDB de São Paulo teve apoio do presidente nacional da legenda, deputado Sérgio Guerra (PE). O governador Geraldo Alckmin foi informado do teor da nota e deu aval à sua divulgação.
Mesmo tucanos próximos a Serra, como o secretário estadual da Cultura, Andrea Matarazzo, um dos quatro pré-candidatos do partido, discordam da tese de que o PSDB deveria abrir mão da candidatura e apoiar o PSD.
A discussão com Tobias não foi o único atrito em que Serra se envolveu nos últimos dias. No sábado, como informou ontem o Painel, ele questionou o presidente da Juventude do PSDB paulista, Paulo Mathias, 20, sobre a omissão de seu nome numa publicação do movimento.
Segundo relatos de pessoas presentes, Serra disse ao estudante que a Juventude Tucana era “um bando de pelegos” e que ele não deveria “se intrometer em questões nacionais e municipais”.
Procurado pela Folha, Serra não quis se manifestar sobre as discussões que teve com Pedro Tobias e Mathias.
O estudante confirmou que o entrevero ocorreu, mas disse “admirar” Serra. “É um baita cara”, afirmou. “Acho que ele estava num dia ruim.”
O ex-governador telefonou ontem para o estudante e disse que a discussão foi um mal-entendido. Mathias o convidou a fazer uma palestra para a Juventude do PSDB em dezembro. A revista que incomodou Serra circulou com apenas 94 exemplares.