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Afinal, quem fala a verdade na Argentina?

O governo Kirchnner é vilão ou vítima quando se fala em números da inflação? Há alguns anos, o Executivo do país tem sido acusado pesadamente de maquiar a inflação no país, interferindo num instituto que há anos era tido como exemplo de idoneidade.

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(A praça de Mayo, como se vê na foto, está lotada de manifestantes pedindo a renúncia de Cristina Kirchner por causa do aumento no custo de vida).

O governo Kirchnner é vilão ou vítima quando se fala em números da inflação? Há alguns anos, o Executivo do país tem sido acusado pesadamente de maquiar a inflação no país, interferindo num instituto que há anos era tido como exemplo de idoneidade. O Estadão, em editorial intitulado…

… o Estadão fala das dificuldades da economia vizinha, e parece positivamente feliz que o governo de lá tenha sido forçado a cortar subsídios ao consumo de água, energia e gás. Entretanto, informa que a medida deverá consistir na economia de apenas US$ 925 milhões. Ora, se é o valor é esse, então não era um subsídio tão grande assim e, portanto, não deverá causar um impacto relevante.

A matéria em seguida menciona a queda nas reservas em agosto de US$ 52 para US$ 46,8 bilhões como se tratasse de algo de grande gravidade. Ora, isso representa um declínio de pouco mais de US$ 5 bilhões nas reservas. É um dinheirinho bom, digamos assim, mas nada fora do normal. Lembro que o governo FHC, em meados de 1998, assistiu o Brasil perdeu dezenas de bilhões de reais em reservas tentando segurar o dólar.

Logo depois, o artigo diz que o setor privado estima o crescimento da Argentina este ano em 6,2% e do ano que vem, 4,5%. “Dado o cenário internacional, são números muito bons, mas bem menores que os dos anos anteriores (9,2% em 2010)”, diz o editorial. Ora, é preciso muita má vontade para não simplesmente dar um simples parabéns à Argentina por crescer 6,2% num ambiente econômico internacional tão inóspito como o atual, onde inclusive o Brasil, maior parceiro da Argentina, com seus colossais recursos naturais sendo vendidos a preços recordes para o mundo inteiro, deve experimentar uma expansão em torno de 4%.

Por fim, chegamos a inflação. É irritante que a imprensa brasileira continue sendo tão leviana a ponto de repetir acriticamente que a inflação argentina está entre 22% e 25% segundo “economistas privados”, como aliás toda a mídia brasileira tem feito, sem especificar exatamente que economistas são esses, qual a sua metodologia, e onde podemos encontrar na internet os números sobre os quais eles se fundamentam.

O governo argentino, por sua vez, estima que a inflação nos últimos 12 meses está em torno de 9,7%. Eu até concedo que a Casa Rosada possa estar maquiando os números, mas isso é diferente de acreditar nos tais “economistas privados”.

Se a inflação real tem sido tão alta na Argentina como se alega, o país já deveria estar experimentando alguma grave crise social, e Cristina não teria sido eleita com uma maioria tão esmagadora, com ênfase para o voto popular; nem acredito que haveria uma festa tão bonita e alegre para sua vitória se o povo estivesse vivendo num estado terrível de agonia, como seria de se esperar num país cuja inflação estivesse fora de controle. A sociedade argentina tem uma antiga tradição de lotar a praça de Maio para exigir mudanças. Aquele grande espaço diante do palácio presidencial está permanentemente tomada por movimentos sociais defendendo alguma bandeira. Se a inflação está mesmo tão alta não deveríamos ver grandes massas protestando na praça? Alguma coisa aí realmente não está batendo.

Não faz sentido. Se a inflação estivesse realmente acima de 20% ao ano há tempos, conforme acusam os críticos ao governo Kirchner (como a nossa mídia), deveríamos ter toda uma série de índices em estado de ebulição. De maneira que seria fácil provar que o governo Kirchner inventa uma taxa inflacionária de fantasia.

Vamos tentar tirar isso a limpo? Não deve ser tão difícil dar uma fuçada nos índices de custo de vida da Argentina, ou qualquer outra estatística que nos ajuda a ver a situação mais clara por lá. Acusar um governo, sem mostrar provas, numa questão tão grave, me parece uma insuportável leviandade. A mídia brasileira, com seu corpo gigante de repórteres, bem que poderia ter tirado isso a limpo há muito tempo. Parece-me, no entanto, que não tem muito desejo de fazê-lo.

Desconfio que as informações acerca da Argentina têm chegado ao Brasil com algum grau de distorção. Se é um grau alto, médio ou baixo, ainda não sei, mas acho importante que a gente se esforço para ver mais claro o que acontece ao nosso lado, ainda mais porque a Argentina é o nosso principal parceiro comercial. Esse é outro dado ao qual a mídia brasileira nunca dá o merecido destaque. A China até compra mais que a Argentina, mas só minérios brutos e soja crua, enquanto a Argentina importa sobretudo manufaturados brasileiros. É a maior compradora de nossos manufaturados, e paga bem.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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