A volta de Ciro Gomes

A transcrição da entrevista, feita ao UOL, segue abaixo:

Ciro Gomes – 17/11/2011

Narração de abertura: Ciro Ferreira Gomes, ex-candidato à Presidência da República, tem 54 anos. Atualmente não tem mandato político.

Ciro nasceu em Pindamonhangaba, em São Paulo. Mas fez carreira política no Ceará, Estado que governou de 1991 a 1994. Foi também Prefeito de Fortaleza, deputado estadual e federal.

Ciro já foi filiado ao PDS, ao PMDB, ao PSDB, ao PPS e, agora, está no PSB, Partido Socialista Brasileiro. Candidatou-se a presidente da República em 1998 e em 2002. Em 2010, sem apoio de seu próprio partido, não conseguiu ser candidato.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um “Poder e Política Entrevista”.

O programa é uma realização do jornal Folha de S. Paulo, da Folha.com e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

Hoje o entrevistado é o ex-ministro, ex-deputado federal, ex-governador de Estado, Ciro Gomes.

Folha/UOL: Muito obrigado por sua presença aqui. Eu começo perguntando: como vai a vida fora do governo e como é que o sr. está conseguindo viver fora do governo?
Ciro Gomes: Quer dizer, fora do governo não. Fora da política. Eu vivi fora do governo praticamente quatro quintos da minha vida pública, se tivermos em conta minha relação com o governo federal, a quem eu movi oposição até, excepcionalmente, o Itamar Franco [presidente de 2.out.1992 a 1º.jan.1995] de quem eu fui ministro da Fazenda. Ajudei ali na consolidação do Plano Real. E no primeiro mandato do presidente Lula. Nos outros todos eu estive em oposição. Bom, agora, eu também apoio a Dilma.

Enfim, eu diria a você que é uma coisa muito boa, por um lado. Porque eu posso dormir sem muitas angústias, minha agenda sou eu que escolho, falo com quem eu quero. E por outro lado também não é realizador.

Folha/UOL: O sr. tem vivido profissionalmente fazendo palestras?
Ciro Gomes: Isso. Faço palestras. O partido [PSB], a fundação do partido me estipendia com uma garantia de sobrevivência, que é uma prática para travessias de lideranças que, como eu, possam não estar no momento correto… Enfim, eu vivo do meu salário e faço palestras, pelas quais eu me remunero.

Folha/UOL: Tem ficado mais com a família no Rio de Janeiro, no Ceará, em Brasília? Como é que o sr. se divide?
Ciro Gomes: Eu estou mais dedicado ao Ceará agora. Enfim, cumprindo algumas tarefas também muito agradáveis, por delegação do governador Cid [Gomes, do PSB, irmão de Ciro Gomes]. Eu me meti lá na organização do meu partido, do PSB, que é o nosso partido, nos municípios todos do Estado do Ceará e traquejando com vereador. Coisa que fazia 25 anos que eu não fazia, acabou sendo muito agradável.

Folha/UOL: Como está a presidente Dilma Rousseff depois de quase 11 meses no Palácio do Planalto?
Ciro Gomes: Olha, eu acho que ela está indo razoavelmente bem. Diria razoavelmente bem porque essa crônica eterna das crises de corrupção, ela está conseguindo se desvencilhar de um jeito surpreendentemente correto, para quem não tinha vivencia política praticamente nenhuma. O que ela está revelando ao país é que… por pragmatismo da aliança terrível que ela teve que honrar, o arco de forças que compôs a base de sustentação da Dilma era a crônica de uma morte anunciada. O cimento dessa aliança foi a fisiologia e a expectativa de roubalheira sem nenhuma dúvida.

Folha/UOL: Como nos governos anteriores.
Ciro Gomes: Não, de jeito nenhum. O primeiro governo do Lula não teve nada que ver com isso. Tanto que ele…

Folha/UOL: Não, mas durante o governo.
Ciro Gomes: É… durante o governo. O Collor [Fernando Collor, presidente de 15.mar.1990 a 2.out.1992] não topou isso. Sejamos justos. O Collor não topou isso e fez uma coisa muito inorgânica. Acabou rompendo com tudo que está posto na vida pública brasileira e caiu pelos erros, mas caiu também por essa inorganicidade absoluta com que ele conseguiu se situar na Presidência da República. O Itamar Franco não fez isso. O Itamar Franco apelou quase sempre para uma sustentação de opinião pública.

Folha/UOL: Fernando Henrique e Lula?
Ciro Gomes: Os dois fizeram, gravemente. Eu me lembro de uma conversa que eu tive com o presidente Fernando Henrique, denunciando na época problemas graves no Ministério dos Transportes e ele meio que, rendido assim… Claro que ele é um homem decente, ele não tem nenhuma deformação moral na minha opinião. Os erros do Fernando Henrique que eu condeno veementemente são outros. Ele disse para mim: “Olha, você é muito jovem, um dia você vai sentar nessa cadeira aqui -era a cadeira de presidente da República -e vai ver que o presidente que não contemporizou com o patrimonialismo caiu”. E eu disse para ele: “eu não concordo com isso não”. E fui embora e rompi com o PSDB. Depois, no primeiro governo do Lula, o Zé Dirceu [ex-ministro da Casa Civil] já queria essa trempe aí de PT com PMDB, com cimento de fisiologia. E o Lula resistiu. Eu testemunhei isso.

Folha/UOL: Depois cedeu.
Ciro Gomes: Depois da crise do mensalão ele resolveu ceder.

Folha/UOL: E esse modelo foi herdado por Dilma Rousseff.
Ciro Gomes: Sim. Mas o que ela está revelando, que é importante, é que ela não tem compromisso com o erro.

Folha/UOL: Agora, quase 11 meses de governo Dilma Rousseff. O sr. poderia apontar dois grandes acertos ou dois grandes erros até agora na administração e na política?
Ciro Gomes: Eu acho que o erro básico na política é que falta a engenharia da construção. Eu acho que ela pessoalmente não pode se dedicar a isso, o cerco de pessoas que teoricamente estariam encarregadas de fazer isso não têm a vivência. Eu já falei isso pessoalmente com ela. É preciso ter essa atitude de não ter compromisso com o erro, porque senão você delega sua autoridade para essas chantagens de CPI, para essa chantagem de uma certa mídia que parece moralista, parece preocupada com a ética, mas na verdade está querendo sangrar mais fundamente os cofres públicos e tal.

Mas é preciso construir também. Por quê? Porque eu acho que, até agora, está indo tudo muito bem. A economia ainda não revelou o que vai revelar no ano que vem, que parece ser um ano tendente a zero no crescimento econômico. O espaço para os salários crescerem vai se fechar. O desemprego volta a ser um problema, não explosivo, mas volta a ser um problema.

Para o ano que vem acumulam-se forças potencialmente negativas. Elas não são, nenhuma delas, explosivas. O Brasil não vai quebrar pela segunda vez em 150 anos porque essa crise pode até ter um lado muito favorável para o Brasil, mas nós não fizemos as equações. Esse é outro erro, na economia. Comentamos daqui a pouco. E não é dela [Dilma]. É um erro crônico na medida em que o PT desertou de qualquer visão estratégica realmente mudancista no Brasil.

Folha/UOL: Agora, de economia, mas já que você está falando…
Ciro Gomes: Mas falando na política, que é mais grave, é preciso ter essa atitude que ela está tendo de dizer: “Olha, eu não tenho compromisso com o erro”. Claro que a iniciativa sendo de um ou outro órgão de imprensa etc etc é sempre muito perigoso. Porque não há boa intenção sempre. Há setores dessa grande imprensa que, na verdade, apenas querem sangrar mais profundamente os cofres do Estado…

Folha/UOL: Já que o sr. mencionou…
Ciro Gomes:…mas a tese é a seguinte: falta atitude construtiva. Falta alguém capaz de separar o joio do trigo, estabelecer parcerias, cumplicidades, alinhamentos nessa relação…

Folha/UOL: Quem seria esse alguém?
Ciro Gomes: A Ideli [Salvatti, ministra de Relações Institucionais], que é minha amiga, é a encarregada institucional do assunto. Na verdade isso é uma atitude de governo, é uma atitude da presidente da República e isso tem que contaminar o governo como um todo. Mas a encarregada seria a Ideli, pessoalmente. E a Ideli, a mim me parece, ela não tem a vivência é… Sendo uma excelente pessoa, ela foi fortíssima quando nós precisamos dela naquela grave crise do mensalão, eu estava na coordenação junto com a Dilma, o Márcio Thomas Bastos [ex-ministro da Justiça] e a “petezada” afroxou toda e ela não. Ela foi uma pessoa excelente, foi corajosa, foi íntegra. Mas esse alinhamento exige mais malícia, mais experiência, mais vivência.

Folha/UOL: Não há ninguém no governo, no núcleo central?
Ciro Gomes: Esse é o problema. Ninguém.

Folha/UOL: Nem a presidente poderia assumir isso?
Ciro Gomes: Nunca foi boa tarefa, porque a Presidência é a última instância. Esse alguém tem que ser uma pessoa capaz de dizer sim e não.

Folha/UOL: O ex-presidente Lula…
Ciro Gomes: Essa pessoa tem que dizer o seguinte, como Maquiavel ensinava, que o príncipe, até disse isso a Dilma também, que o príncipe tem que ser amado ou temido. Não podendo ser amado, tem que ser temido.

Folha/UOL: O ex-presidente Lula tinha, pelo menos até agora, até ficar enfermo [passa por um tratamento contra um câncer na laringe], colaborado bastante nessa área política.
Ciro Gomes: Tinha. Mas isso gera um contraste, porque a Presidência da República, tanto mais na cultura política brasileira, que ainda é um legado meio imperial, meio monárquico… Eu mesmo falei publicamente. O presidente Lula sair de São Bernardo, descer em Brasília, fazer reunião com Sarney [José Sarney, ex-presidente da República e presidente do Senado] e tal para tratar de temas da coisa, diminui a personalidade da Presidência da República. Da presidente da República não digo, [mas] na Presidência como instituição. No telefone tudo bem, é uma colaboração sempre bem-vinda.

Folha/UOL: Mas então a falta dessa figura que poderia desempenhar essa função para a presidente Dilma é um defeito desse governo que deveria ser resolvido?
Ciro Gomes: É um defeito de engenharia política grave. Porque no começo do governo tudo são flores. Tanto mais um governo que sucedeu um governo de altíssima popularidade.

Folha/UOL: Que tipo de problema pode provocar essa deficiência que o sr. aponta?
Ciro Gomes: No Congresso. Começa com sintomas de greve. Sintomas de inação na atividade. E evolui, se houver margem, para CPIs, tumultos.

Folha/UOL: Mas isso em geral ocorre quando em geral há uma conjuntura em que a política não vai bem e, às vezes, junto com a economia também indo muito mal.
Ciro Gomes: Sim, a popularidade é um sinal. O que salvou o Lula por exemplo, nós tivemos uma tentativa de golpe naquela época, não todos, mas ali havia… Eu faço uma comparação como se fosse um linchamento. Ninguém num linchamento parece querer esquartejar o linchado. Todo mundo parece que quer dar só um peteleco. E estavam ali escalando o golpe. Alguns muito lucidamente. E o que sustentou [o governo] foi a opinião pública. Foi a população perceber que tinha uma coisa profundamente errada…

Folha/UOL: O sr. acha que a presidente Dilma consegue sustentar o alto nível de popularidade que ela vem obtendo ao longo do próximo ano?
Ciro Gomes: Espero que sim, vou colaborar para sim, mas não creio, porque a economia no ano que vem tende a esfriar muito.

Folha/UOL: Ela já demitiu seis ministros. Enquanto nós conversamos aqui agora, dia 17 de novembro pela manhã…
Ciro Gomes:…Pode estar saindo o sétimo…

Folha/UOL: Está em crise e pode sair o sétimo. Até agora a presidente demite e aumenta a popularidade. Essa é uma fórmula que não vai mudar nunca ou vai ter um momento em que a população vai começar também a olhar para ela e considera-la responsável pela nomeação desses ministros?
Ciro Gomes: Não. No governo da Dilma eu não creio que as pessoas a condenem pelo pecado original da escolha. Porque haverá sempre a vênia de que ela sucedeu um governo amigo, e esse amigo é o Lula, um bem querido do povo brasileiro, e que os políticos são assim mesmo, e que ela não pode adivinhar se o cara vai fazer alguma coisa errada ou não. Mas o que importa é que quando ela pega o cara no flagrante, ela bota o cara para fora.

Folha/UOL: Essa metodologia, essa fórmula será repetida “ad infinitum”, não haverá um ponto de inflexão em que ela ao fazer isso também…
Ciro Gomes:…Depende. Estão se acumulando dois desgastes aí. Um é o desgaste com as organizações, as quadrilhas, lobbies, os grupos, os partidos, para ficar aqui numa escala de pecado. Há um desgaste se acumulando. Quer dizer, eu conheço a manha dessa gente de longa data, como não há esse trabalho de pedagogia, de envolvimento, que o Lula era nisso mestre, o Lula a arte dele era essa: reunir pessoas, conversar com pessoas, jogar conversa fora e tal… E ao contrário do que se supõe os políticos num certo limite parecem crianças bobas. Porque padecem de uma carência afetiva de uma… Enfim, bobagens muito triviais podem fazer isso, estabelecer cumplicidades onde você não suspeita. Por um gesto, por uma atenção. Não é só isso. O que é legítimo? Você traficar influência para uma emenda parlamentar para construir uma sala de aula não sei onde e coisa e tal. Para a sociedade brasileira isso é legítimo. Mais que legítimo é um elemento sintomático de um bom parlamentar. O que é um desastre para o país. A agenda nacional não tem consideração porque o Congresso Nacional, salvo exceções, é uma grande câmara de vereadores, de paróquias que estão ali reunidos potencializando força para rachar um pouquinho de dinheiro. E tem a turma da quadrilha mesmo. Do assalto, do lobby. E isso é preciso separar: o tratamento de um grupo é [com] uma linguagem, de outro, é outra. Tem que ter ali um fichário, um prontuário…

Folha/UOL: Se eu estou entendendo o que o sr. está dizendo é que, no ano que vem, com a conjuntura que se desenha, uma economia esfriando… Essa sucessão de caso que, enfim, aparente…
Ciro Gomes: Paixões da eleição municipal…

Folha/UOL: O sr. acha que há uma crise anunciada pela frente?
Ciro Gomes: Ela tem uma crise anunciada pela frente.

Folha/UOL: De que proporção o sr. diria?
Ciro Gomes: A proporção dependerá de dois fatos muito relevantes. Um: o nível de crise econômica, o nível de centralidade que a questão econômica causará no meio social brasileiro. O outro é o comportamento do PT nas eleições municipais.

Folha/UOL: O sr. sempre foi um crítico da atuação do PT.
Ciro Gomes: Não, não. Eu sempre fui um aliado do PT.

Folha/UOL: Sim, mas crítico de certas práticas do PT.
Ciro Gomes: Agora, de um tempo para cá, o PT desertou, Fernando, das tarefas mais graves, que a sociedade… Sendo o partido mais importante do Brasil, desertou de qualquer compromisso ético. Desertou de qualquer compromisso republicano, desertou de qualquer compromisso transformador.

Folha/UOL: Mas houve um aprofundamento disso no governo Dilma?
Ciro Gomes: O governo Dilma herdou um PT completamente fisiológico.

Folha/UOL: Mas ele piorou com o governo Dilma?
Ciro Gomes: Eu acho que piorou porque a lealdade a Dilma, que o PT devota, não é tão real e tão forte quanto a que devotava ao Lula. Até porque o Lula moderava esses apetites. Como acabou de demonstrar na sucessão municipal de São Paulo. E a Dilma meio que foi engolida a contra gosto pelo PT.

Folha/UOL: Agora, o PT… o sr. acha que aplaude, vê com alegria essa desgraça de vários ministros que foram saindo, nenhum dele [do PT]. Põe para fritar todos os outros?
Ciro Gomes: Claro. Não há menor dúvida disso. O PT ensaiou a apropriar-se do Ministério dos Esportes. E o PC do B anotou isso. O PT se apresta a abocanhar o Ministério do Trabalho. E o PDT está vendo isso. O PMDB já faz tempo que percebeu essa… Esse é um problema. Enquanto é o partido que tem as responsabilidades mais graves da conjuntura histórica brasileira, tem história para isso, tem… Não sou um crítico do PT, sou um “admirador frustrado”. O PT virou isso, essa coisa de fisiologia. Sabe, são seis mil caras com cartão corporativo, com carrão bonito para passear para cá e para lá. E novos ricos, deslumbramento… É uma coisa chocante para mim.

Folha/UOL: O seu partido tem dois ministros no governo. O sr. acha que PSB pode ser o próximo a ser, enfim, atacado?
Ciro Gomes: O PSB tem um padrão. O comportamento dos nossos quadros, por média, ou por regra mesmo, é um comportamento de gente muito cuidadosa. De gente muito decente. Você tem aí as pessoas que ocuparam ministérios… Eduardo Campos… Eu acho que à essa altura, 33 anos de vida pública limpa, eu posso dizer “eu”. Eu tive que fechar o Ministério da Integração Nacional tamanho o balcão de esculhambação que aquilo era, quando eu assumi no governo do Lula. Tinha essas maluquices: capacitação profissional. Isso é um negócio de maluco. Milhões de reais entregues a picaretas, ONGs etc e tal que fazem lá um arremedo de coisas… Enfim, dinheiro pelo ralo. O Leônidas [José Leônidas Cristino, do PSB] nos Portos também tem uma história não muito conhecida ainda em Brasília, mas é uma história de retidão e tal. O Fernando Bezerra Coelho [do PSB, ministro da Integração Nacional do governo Dilma] também tem se comportado. O que eu quero dizer é que qualquer pessoa pode se corromper. Isso está na premissa do “L’Esprit de Loi”, do Montesquieu. O poder corrompe, o poder total. Corrompe totalmente, por isso tem que haver controles. Controles, supervisão. Ninguém está imune a se corromper tendo o poder na mão.

Folha/UOL: No começo, na montagem do governo da presidente Dilma Rousseff, o sr. recebeu uma proposta para ser ministro da Integração Nacional, acabou não aceitando, queria o ministério da Saúde. O que aconteceu?
Ciro Gomes: É, vai virar verdade para o resto da vida a história que eu queria ministério. Eu não queria ministério nenhum. Tanto que eu não aceitei participar do governo Lula no segundo [governo de Lula]. Por mais honrado que tenha sido com sequenciais convites.

Folha/UOL: E na montagem do governo Dilma?
Ciro Gomes: Eu achei também, por conta disso. Eu falei muita coisa forte nas antecedentes, quando eu fui derrubado do meu direito ou da minha pretensão legítima de ser candidato a presidente da República, eu falei coisas muito fortes sobre o porquê eu não queria me ajuntar com aquilo ali. E queria dizer qual era o tipo de cimento que estava juntando PT com PMDB.

Folha/UOL: Mas o sr. recebeu um convite para ser ministro?
Ciro Gomes: Eu fui distinguido com uma sondagem da presidente Dilma, disse a ela que me sentia muito honrado, como de fato me sinto, tenho por ela um imenso respeito, imensa afeição, torço por ela, apoio, mas pedi a ela para me dispensar pelo menos por agora. Aí fiz uma descrição das razões e disse a ela que, quando viesse a crise, ela podia contar comigo [risos].

Folha/UOL: O sr. mencionou que saiu da corrida presidencial em 2010. Foi forçado a isso pelo seu partido e pelo então presidente Lula, que trabalhou muito para que o sr. não fosse candidato.
Ciro Gomes: Eu fui tirado. É.

Folha/UOL: O sr. deve se lamentar talvez. Mas o que poderia ter sido feito para sua candidatura ter sido mantida, na sua opinião.
Ciro Gomes: Na verdade eu tenho um problema original. Na verdade eu tive uma tragédia, talvez seja uma palavra muito forte… Eu tive um problema na minha militância política de inconstância partidária. Quer dizer, eu entro na política por conta de Pacote de Abril e não sei o quê, e vinculação de votos… Entro na política porque meu pai era prefeito no interior do Ceará, estava em pleno correr sua sucessão, vinculação de votos… me obriga a filiar ao PDS vindo do movimento estudantil. Isso com o compromisso de assim que passar as eleições, aquilo era uma formalidade, de passar para o PMDB. E assim fiz. Passei para o PMDB. E estou pensando que agora vai e Tancredo Neves, a quem eu ajudei… Eu já estou antigo na estrada eu já era contemporâneo do Tancredo Neves, era deputado federal ajudei a eleger no colégio eleitoral… Morre o Tancredo ocupam o PMDB o Sarney, dr. Ulisses e aquela esculhambação de escambo de orçamento, o diabo e tal. Eu saio do PMDB e vamos fundar um partido ético, de gente que pensava, de gente que tinha compromisso com o país chamado PSDB. Fui fundador desse partido lá no Ceará, fui o primeiro e único governador eleito em 1994 [sic, foi eleito em 1990]. E aí o Fernando Henrique se associa ao PFL [Partido da Frente Liberal, atual Democratas], faz tudo oposto ao que a gente tinha prometido ao povo brasileiro. Eu rompo e vou embora para o exílio, autoexílio. Fui embora para a América do Norte, passei um ano e meio lá comendo o pão que o diabo amassou e, enfim… Tendo sido ministro da Fazenda, ajudado a fazer o Real… Aí volto, me filiei a um partido que tinha dois deputados federais, para começar tudo do zero. Baseado num livro que eu escrevi, estabelecemos uma doutrina, fomos para a rua, brigamos, não sei o que e tal. Virei candidato a presidente da República, tirei dez milhões de votos. Com o PPS. Fui à segunda vez. Na primeira oportunidade que a esquerda vai ao poder, com o Lula, o Roberto Freire [presidente nacional do PPS] por inveja paroquial do Lula lá em Pernambuco, é coisa de paróquia, resolve se associar ao PFL. E aí me obriga a sair de novo do partido, vou para o PSB.

E chego no PSB como recém enquadrado. O partido, que como muitos partidos no Brasil, tem uma direção de capitania hereditária. Quer dizer: o Miguel Arraes era o chefe, o neto do Miguel Arraes, o Eduardo Campos é o chefe. E o Eduardo [Campos] é governador. Então tivemos uma discussão. Quer dizer, uma discussão aberta, franca… Não houve rasteira, não houve nada e tal. Eu acho que o PDB cometeu um gravíssimo erro, de não disputar, mesmo que não fosse eu. Mas um partido que tem seis governadores de Estado não se apresentar para a disputa, não é um partido nacional.

Folha/UOL: O que o sr. vislumbra para mais adiante para o PSB?
Ciro Gomes: Sigo pensando a mesma coisa. Acho que o partido tem a obrigação, agora mais grave ainda por conta dessa deserção do PT. Volto a falar: aqui é uma admiração frustrada [para com o PT]. Quem é que está considerando as mudanças estratégicas do país? Na verdade, o que está acontecendo na minha opinião, é um texto que eu estou aguardando um lugar para publicar, chama-se o “Crime Perfeito”. Está acontecendo no Brasil o crime perfeito. O PT herdou a agenda neoliberal mal arrumada à brasileira do Fernando Henrique, com aquela carta aos brasileiros [Carta do Povo Brasileiro, publicada por Lula na campanha presidencial de 2002], que eu chamei de “carta aos banqueiros” que o Lula escreveu. Impôs muito maior eficiência na gestão desse modelo cripto-conservador, pôs coração… O modelo é o mesmo, mas a eficiência é muito maior. A austeridade fiscal do experimento PT é muito mais séria que a do experimento fiscal do governo Fernando Henrique. A privatização escandalosa cessou. E botou coração. O superávit primário é o maior da história. Então é muito mais eficiente na agenda do PSDB, tem as mesmas contradições, porém botou coração na história. E cooptou tudo o que é, aspas, sociedade civil organizada no Brasil. Tudo. Centrais sindicais, movimento estudantil. “Tá tudo dominado”. Agora até a ADA, Amigos dos Amigos [facção criminosa de narcotraficantes do Rio de Janeiro] que era lá do Nem [traficante preso em operação da policia do Rio] na Rocinha acabou-se também. Então os movimentos de trabalhadores e de estudantes no Brasil estão acéfalos. Aconteceu um movimento de professores agora em 14 Estados, você não tem mais com quem dialogar. Porque eles não acreditam mais na CUT. O sindicato dos professores do Ceará é dominado pelo PT. Tem seis meses de greve na Prefeitura controlada pelo PT e os professores passaram por cima das lideranças. O movimento da construção civil entrou lá no acampamento da coisa e destruiu pedacinho por pedacinho do acampamento, você não tinha uma interlocução.

Folha/UOL: O que significa essa hegemonia enorme como nunca se viu nas últimas décadas? Que o grupo liderado pelo PT, e por Lula, agora com Dilma, está fadado a ficar mais quatro anos depois de 2014?
Ciro Gomes: Sim. Teoricamente sim. Agora, essas coisas não funcionam. A vivencia brasileira com Getúlio Vargas, espero que jamais aconteça de novo, deu no que deu. Era uma coisa parecida com Getúlio Vargas. Era o Queremismo. Getúlio tinha uma agenda, entregou uma agenda para o povo brasileiro muito mais… O Brasil não tem mais nada a ver com aquilo. Agora o essencial é a essência política. A política existe para civilizar o conflito, dado que o conflito é inerente à vida humana, à existência social. Se você a pasteuriza tudo, o conflito vai explodir no último lugar. E não é o PSDB o antagônico.

Folha/UOL: Mas que cenário o sr. projeta para 2014? Se é que é possível, com tanta antecedência, projetar algum cenário.
Ciro Gomes: Veja, essa lamentável doença do Lula, que eu rezo como todos os brasileiros para que ele supere rapidamente, então não estará mais aqui quem falou. Mas esse sinal vai ter muito a ver. Por quê? Porque se você tiver a possibilidade de o Lula ser candidato, eu falei isso lá atrás… Quer dizer, será que é disso que o Brasil precisa? Oito [anos d emandato] de Lula com quatro [anos] de Dilma para mais oito [anos] de Lula? Isso empobrece o Braisl, é grave para o país.

Folha/UOL: Mas se Lula estiver bem de saúde em 2014, o sr. acha que ele pode ser candidato?
Ciro Gomes: Ele pode escolher. Apoiar a Dilma com a forca popular justa que ele tem. Ou ele próprio, se houver algum risco, ser o candidato. Enquanto isso, Alckmin se acerta por elevação do nível de endividamento de São Paulo com a Dilma, faz um jogo… Serra está descartado, o Aécio é um cordial… Enfim… Essa é a minha preocupação com o país.

Folha/UOL: O sr. está me dizendo que é quase um cenário de candidatura única em 2014.
Ciro Gomes: O cenário que se projeta é esse. Mas o Brasil nunca foi assim.

Folha/UOL: Então, mas tentando fazer um exercício de previsão, de vaticínio para 2014, o sr. acha que, desses nomes postos fora do arco de alianças que atualmente governa o país, quem poderia empunhar aí uma bandeira e ser bem-sucedido?
Ciro Gomes: Você se lembra de um cidadão chamado Fernando Collor, ex-governador de Alagoas? Na data, a plenipotência do Brasil era de um lado Ulisses Guimarães [do PMDB] e de outro Aureliano Chaves [do PFL], dissidentes do regime. Correndo por fora como segunda linha de favoritos eram o Brizola [do PDT] e o Lula [do PT]. E veio o Collor e passou. Eu não creio que haja muita probabilidade de surgir isso. Mas é sempre bom lembrar da nossa história.

O que me preocupa é a inorganicidade. Se você tem um ambiente em que a população se exaspera pela questão da corrupção, associa a corrupção às dificuldades do viver, que uma crise econômica mais continuada, sob o ponto de vista internacional, impõe ao Brasil. Queda nos preços das commodities por uma retração da economia chinesa impõe ao Brasil. Que uma desvalorização do real, porque é artificial o valor que ele está, com pressões inflacionarias, impõem ao Brasil. E a gente aqui sem uma agenda, faltando engenheiro, falando qualificação profissional verdadeira enquanto se joga dinheiro fora a pretexto de qualificação profissional com universidade de araque. Com o sistema tributário caótico. Com o Banco Central amalucado. Enfim, não estou dizendo que isso vá acontecer. A semente dessas coisas está aí. O sr. ainda tem energia, desejo de voltar a concorrer à Presidência da República?

Folha/UOL: O sr. ainda tem energia, desejo de voltar a concorrer à Presidência da República?
Ciro Gomes: Quem já concorreu duas vezes como eu não pode andar mentindo por aí dizendo que não tem vontade. O que mudou em mim foi a disposição de brigar. Eu não tenho mais vontade de brigar por isso. Porque essa briga já me custou coisas como… É inacreditável, o Tribunal de Justiça de São Paulo, contra disposição explícita da lei, resolveu reabilitar um processo que estava caduco, prescrito pela lei em que o Collor [Fernando Collor, ex-presidente da República], a quem eu critiquei há 12 anos atrás me processa por dano moral. E aí devolve para um juiz singular que me condena a R$ 100 mil. Cansa né. Cansa porque… Outro dia eu denunciei esse Eduardo Cunha [do PMDB, deputado federal pelo Rio de Janeiro]. Pelo amor de Deus. Se existe uma imprensa no Brasil… Não é possível, não é possível. Esse cara simplesmente elencou como testemunha de defesa dele num processo por dano moral o vice-presidente da República, Michel Temer [do PMDB]. Me poupe, né, Fernando… Eu estou naquela do Rui Barbosa, que de tanto ver triunfar nulidades, embora a tese seja: “não desanime”. Eu não estou desanimado.

Folha/UOL: Mas o seu desejo é, eventualmente, concorrer a algum cargo em 2014?
Ciro Gomes: Não. Eu não quero mais ser candidato a nada e admito ser candidato a presidente da República.

Folha/UOL: O seu irmão esteve aqui, governador Cid Gomes, do Ceará, e disse que o sr. poderia, eventualmente, também ser candidato ao Senado pelo Ceará.
Ciro Gomes: É. Eu já fui candidato a deputado federal contra a minha vontade. E generosamente acabei chegando na Câmara como o deputado mais votado do Brasil proporcionalmente. Mas foi o pior experimento da minha vida pública que já tem 33 anos.

Folha/UOL: Por quê?
Ciro Gomes: Porque eu não fiz nada. Eram quatro anos de ociosidade. Porque a coalisão PT e PMDB resolveu assentar-se numa meritocracia às avessas. Quanto mais picareta e mais analfabeto, mais prestígio. E todo mundo que tinha algum valor é escanteado, não faz nada. A gente fica ali, oito, nove horas obrigado a ficar ouvindo conversa fiada, fragmentária… Porque ainda se fosse uma conversa convergente sobre qualquer assunto, me interessa. Eu sou ávido pela política, eu tenho vivências na política, andei fora estudando as coisas e tal. A crise econômica mundial não foi refletida por um minuto, um minuto na minha legislatura. “Vamos parar aqui um minuto para entender a crise econômica internacional e suas repercussões no Brasil”. Não houve isso.

Folha/UOL: Porque a oposição não consegue fazer isso? Porque poderia ser um papel da oposição.
Ciro Gomes: Eu tenho uma explicação depois da minha vivência lá. A Câmara Federal, que é o santuário da democracia, entendamos bem, é preciso proteger, guardar, velar e respeitar a Câmara Federal. É ali que se representa o povo brasileiro na sua maravilhosa contradição. Agora, a atual conjuntura faz com que… Vamos lá: 513 deputados. Se cada um falar um minuto, isso vai durar nove horas. Então não é possível. Não funciona. Como não funciona, há uma tendência…

Folha/UOL: Pode até demorar mais daqui apara frente se vierem mais oito deputados dos dois Estados que forem criados [com uma possível divisão do Pará que está para ser decidida em dezembro de 2011].
Ciro Gomes: É ridículo. É ridículo. Aí, o que fazem? Tentam criar mediações. A mediação qual é: o colégio de líderes e a Mesa [Diretora da Câmara]. Pronto. Aí aqui as minorias ativas, com a ingerência do poder Executivo fraudam o coletivo. Então fraudam o coletivo. Os líderes de bancada, salvo exceções, não são líderes de coisa nenhuma. São gente boa, medíocre, que vai jogar baralho na casa do outro, joga futebol com o outro, bebe cachaça com outro, faz favores pro outro etc etc. E a Mesa é negociada com tratativas que fariam corar um frade de pedra.

Folha/UOL: Mas a oposição, onde entra aí? Minha pergunta é: por que a oposição não consegue encontrar uma forma de apontar os erros?
Ciro Gomes: Tem duas oposições hoje. Uma oposição é o PSDB. A oposição PSDB não pode dizer nada porque na hora que diz qualquer coisa a turma já diz: “Mas vocês estavam lá fazendo a mesma coisa”. Uma coisa impressionante, é chocante, é muito fácil desmontar o PSDB. “Ah, porque o governo está aparelhando os cargos, não sei o quê…”. Espera aqui. Matarazzo. Andrea Matarazzo. Não sei quem não sei das quantas. Mendonça não sei das quantas. Estavam lá. Eram de qual partido? Vocês [PSDB] são iguaizinhos [ao PT]. É aquilo que eu estou dizendo. É o crime perfeito.

E a outra oposição é o PT “revival”, que é o PSOL. É o PT “revival”, só consegue entender duas coisas: corporativismo e moralismo. Então é bajulação dos justos interesses dos servidores públicos, bancários etc etc. E o moralismo. “Aí, roubalheira, esculhambação!”. O Ivan Valente [do PSOL, deputado federal por São Paulo] até propôs uma CPI sobre a dívida pública brasileira, ainda tentei colaborar na minha época. Não aconteceu nada. Nada. Tudo dominado. Esse é o problema.

O problema não é o escândalo das passagens que o brilhante jornalista Fernando Rodrigues denunciou com muita veemência, quase ganhou “Pulitzer” por causa disso. Esse é um problema completamente irrelevante, sendo sintoma de frouxidão moral, de fisiologia. É. Mas o problema da Câmara é o seguinte: esse Eduardo Cunha apresentou uma emenda, em uma Medida Provisória que criava um subsídio de R$ 1,6 bilhão de reais para o Minha Casa, Minha Vida, para construir um milhão de moradias, ele apresentou emenda criando um crédito de IPI exportação de R$ 80 bilhões de reais. Com os lobistas da Fiesp dentro do plenário da Câmara. Escandalosamente ali acertando as coisas, rapaz. Ninguém disse nada, Fernando. Eu fui para a tribuna. Esculhambei. Perdemos por 300 a 120 e conseguimos que o Lula, evidentemente, vetasse. Mas quase o país ia para a breca por uma emenda de um deputado.

Folha/UOL: Deixe-me perguntar do PSDB e desses três nomes que o sr. já citou do PSDB, Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves. As chances de cada um deles eventualmente vir a ser presidente. Geraldo Alckmin?
Ciro Gomes: Olha, nenhum paulista, nesta conjuntura conseguiria ser presidente da República.

Folha/UOL: Isso descartaria Serra e Alckmin.
Ciro Gomes: Por quê? Não é por nenhuma prevenção. As pessoas às vezes vêem intenções que eu não tenho. O problema é que no Brasil há falta de uma estratégia nacional, não existe um projeto nacional que faça as compensações, as mediações e que cada um se sinta partícipe de um projeto confortável. Está crescendo muito no Brasil e esse é um problema para ser discutido no Congresso Nacional. Aí está essa crise dos royalties, com o Rio de Janeiro. O Sérgio Cabral [do PMDB, governador do Rio] mobilizando 150 mil pessoas na rua. Fernanda Montenegro [atriz] indo para a rua, por uma impostura nessa discussão dos royalties. Ela está de boa fé, evidentemente. Porque não tem no país uma visão estratégica. Então o que está acontecendo? Está crescendo no país um ressentimento recíproco entre São Paulo e o resto do Brasil. As pessoas no Nordeste, em Manaus, por exemplo, não têm perigo. Porque todos os exercícios práticos da governança local, paroquial, provinciana de São Paulo hostilizam. Sejam nas oportunidades institucionais, que o Serra por exemplo, na Constituinte, cercou a Zona Franca de Manaus de restrições até ficar o sinal de que queria acabar. Desmontou o sistema de incentivos fiscais que compensariam o Nordeste das assimetrias competitivas. Briga com o Centro-Oeste e tal. Hoje, eu estou falando hoje… Porque o cara quer ser presidente da República e governava São Paulo e fazia dessas. Então essa é a questão prática.

Folha/UOL: Então isso exclui na sua opinião…
Ciro Gomes: Os dois. Os dois de São Paulo. Aí vem o Aécio. O Aécio tem uma chance. Mas o Aécio tem, na minha opinião, dois problemas.

Folha/UOL: Quais são eles?
Ciro Gomes: Um problema é ler pouco. Eu acho que isso é um problema dele. Ler pouco. O que quer dizer isso… Que ele é um extraordinário quadro, eu tenho por ele imensa afeição, respeito muito grande. Mas ele precisava compreender as coisas do país e formular. Porque não é fácil negar um projeto que trouxe 29 milhões da pobreza para a pequena classe média. Não é trivial. E não é com esse simbolismo de uma cordialidade, de um opositor cordial que ele vai afirmar uma proposta que vá derrubar essa coalizão de forças que trouxe 29 milhões de pessoas. Não é pensando, como muita gente pensa no Sudeste, que o que faz o nordestino ter simpatia com o Lula é o Bolsa Família. Não é. Sete em cada dez trabalhadores no Nordeste ganham o salário mínimo. E o salario mínimo hoje é o maior valor da história. O salario mínimo quando o Lula tomou posse, comprava menos da metade de uma cesta básica. Hoje compra três cestas básicas.

Folha/UOL: Então Aécio lê pouco e o que mais?
Ciro Gomes: O outro problema é de aliança. É de aliança. Ele tem que conseguir decompor essa…

Folha/UOL: Primeiro o próprio partido dele…
Ciro Gomes: Sim. Exatamente. Essa é a grande questão. Ele tem que confrontar. Tem que confrontar. Não tem saída para ele. E a melhor hora para ele já passou. Era esta agora.

Folha/UOL: Por quê?
Ciro Gomes: Porque o candidato mais fácil de ser derrotado era a Dilma.

Folha/UOL: Supondo-se que em 2014 seja o Lula [o candidato do PT à Presidência da República] ou a própria Dilma na reeleição.
Ciro Gomes: Mas aí já muito mais incorpada já. Muito mais uma obra. Muito mais legítima do que… [em 2010]. Não é? Havia um padecimento de legitimidade no dedaço que o Lula fez para indicar a Dilma [para disputar a Presidência pelo PT em 2010].

Folha/UOL: Sobre a Dilma, deixe-me voltar a um tema anterior. Falando dos ministros que saíram, todos eles até agora, os seis que saíram, saíram depois de extensas reportagens publicadas pela mídia. Inclusive o Nelson Jobim [ex-ministro da Defesa] foi pela mídia que falou o que falou e não foi por corrupção, mas também acabou saindo. Nenhum deles saiu por iniciativa de uma investigação própria do governo.
Ciro Gomes: Não existe. Não, e da oposição! O governo não deve estar tomando iniciativa de investigar ninguém.

Folha/UOL: Nem os seus próprios?
Ciro Gomes: Não deve tomar iniciativa de investigar. Não. É claro que quando você convoca uma pessoa, você deve ter…

Folha/UOL: Mas não fica a reboque da mídia nesse caso?
Ciro Gomes: Bom, então vamos tratar disso. A mídia no Brasil faz parte do processos político. Não estou falando da Folha de S.Paulo que eu não me canso de registrar, não é porque eu estou em casa aqui agora, mas a Folha de S.Paulo é o único jornal nacional que o país tem. Com todas as suas digressões paroquiais, ainda é a única folha que tenta compreender o país, que tem um pluralismo ali, ela faz uma bobagem, você manda uma carta ela publica. Enfim, o resto, desculpa, é uma mídia nepotista e completamente entregue a um interesse só. E isso é exatamente o que está acontecendo no Brasil. Você acha mesmo que a corrupção que está acontecendo no Brasil é 10%, 20%, e isso eu não perdoo, da Federação Brasiliense de Kung-Fu? Você acredita nisso?

Folha/UOL: Eu pergunto para o sr…
Ciro Gomes: Ah, não é não. Sendo também. Vai ver quanto é que está custando um navio dessas encomendas da Petrobrás. Vai ver as posições de banco acertando na véspera as posições de juro e de taxa de câmbio. Isso não vai sair na mídia. Então a mídia não tem compromisso ético nenhum.

Folha/UOL: Mas como assim? No caso da Petrobras o sr. diz o quê? Que há corrupção?
Ciro Gomes: Moralismo! Moralismo de guela! Moralismo da canela para baixo.

Folha/UOL: Mas no caso da Petrobras, o sr. citou os navios, o sr. está…
Ciro Gomes: Não estou dizendo nada! Não estou dizendo nada. Faça uma comparação com os 10, 12, 15 países do mundo que você escolha. Eu vou propor só que seja na América do Norte e da Europa e veja as proporções dos investimentos públicos dispendidos com propaganda nos grandes órgãos de comunicação e compare com o Brasil. Folhaleaks. Vou fazer pela Folhaleaks.

Folha/UOL: Isso, envie as informações pelo Folhaleaks.
Ciro Gomes: Não, eu vou mandar é uma pergunta [risos].

Folha/UOL: O seu partido fechou um compromisso em alguns lugares com o PSD, esse novo partido. Em São Paulo, há uma composição aí com o PSDB, em Curitiba também. Em Belo Horizonte e João Pessoa o PT ameaça romper a coligação com o PSB. Estamos diante de uma possível finalização da aliança nacional PT-PSB para 2014?
Ciro Gomes: Eu numa das perguntas que você me fez, eu afirmei que uma das energias negativas que para o ano que vem se acumulam potencialmente para cima da Dilma é a atitude que o PT vai tomar nas eleições municipais. Porque o tamanho da guela do PT não tem limite. E o PT tem uma vocação que é da cabeça do Lula: o PT acha que só deveria ter um partido de esquerda no Brasil. E esse mesmo seria o PT. E um partido de centro-direita, o PSDB, para que o jogo todo seja decidido na avenida Paulista ou na suas vizinhanças. E nós não concordamos com isso. Em absoluto. Vai depender, portanto, de um punhado de coisas. Agora, o PSB subalternizou-se. Nós estamos com muito pouca coerência. Nós estamos participando do governo da Dilma. Eu por exemplo acho que, se a gente vai tomar uma atitude, a gente tem que ser decente e correto com ela. Eu serei.

Folha/UOL: O que significa isso?
Ciro Gomes: Você não pode ir para a oposição sem entregar os cargos. Sem anotar para ela, lealmente, quais são as nossas questões. Oportunismo de eleição comigo não.

Folha/UOL: O sr. acha que existe essa hipótese, eventualmente, de não caminharem juntos em 2014, PT e PSB?
Ciro Gomes: Acho que é natural que isso vá acontecer em algum momento. Não sei se é 2014. A não ser que o PSB comece a definhar. Mas o PSB vem crescendo. Crescendo vai contrastar nesse mesmo espaço, vai contrastar a hegemonia do PT. O PT quer o PC do B como um satélite subalterno. Quer o PDT como um satélite subalterno. Já liquidou os dois, como persona política, estão liquidados os dois. E nós [do PSB] seremos os próximos.

Folha/UOL: Eduardo Campos [governador de Pernambuco e presidente Nacional do PSB] tem qual futuro na política na sua opinião?
Ciro Gomes: Qualquer coisa. O cara que está governando o Estado de Pernambuco, um Estado complexo, com o hesito com que ele está governando tem… está adquirindo os dotes para ser candidato a qualquer coisa.

Folha/UOL: Ele é o candidato potencial mais forte à Presidência da República fora do arco de alianças que hoje…
Ciro Gomes: Hoje o mais forte ainda sou eu. Mas ele tem potencial para superar tranquilamente. Por uma circunstância, não é falta de modéstia. É estrada. Estrada nacional. Até você conhecer 380 municípios de Minas Gerais demora um tempo. Você estar pessoalmente em mais de 200 municípios do Rio Grande do Sul, conhecer problemas da metade Sul, alternativas de economia para o colapso do criatório do gado intensivo, a competição desigual do arroz do Uruguai, do arroz do Rio Grande. Ou conhecer o que está acontecendo no Vale do Jequetinhonha, o arranjo produtivo da cachaça, ou o arranjo produtivo de gemas e jóias que tem uma carga tributária absolutamente estúpida e tal ou qual é o impacto da BR 163 na conexão do Mato Grosso com Santarém, Cuiabá-Santarém, isso demora. Demora e exige testemunho, visão e tal.

Folha/UOL: O PSB…
Ciro Gomes: Assim como o Vale do Ribeira em São Paulo também, cuja ponte lá concluída por meu amigo que vos fala. Engraçado nessa altura do campeonato.

Folha/UOL: O PSB, seu partido, tem estado muito próximo do PSD, novo partido comandado por Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo…
Ciro Gomes: Ilusão de ótica.

Folha/UOL: Por que uma ilusão de ótica e…
Ciro Gomes: Porque o PSD é o DEM. Sendo o DEM é aliado do Serra.

Folha/UOL: Então não é uma boa aliança?
Ciro Gomes: Não. Toda aliança é boa. O que eu estou dizendo é que é uma ilusão diótica. Acho que na hora do “pega pra capar”, como a gente chama lá no interior do Ceará, a gente não vai encontrá-lo.

Folha/UOL: Como assim?
Ciro Gomes: Cadê ele? [risos]

Folha/UOL: Não estará com o projeto do PSB?
Ciro Gomes: Não vejo o porquê. Porque o nosso projeto é um projeto de alto risco, de grande arrojo. Esse é um partido que nasceu, enfim, para dar outro nome a um DEM que cansou. Com todo o respeito

Folha/UOL: Como está em Fortaleza a situação da sucessão para a Prefeitura local? O seu irmão [governador do Ceará, Cid Gomes, do PSB] parece que deseja um secretário de Estado como candidato. A prefeita aliada, por enquanto, prefere um nome que ela está propondo. Haverá acordo?
Ciro Gomes: Se depender de mim, pela circunstância de Fortaleza, que é a maior cidade em densidade demográfica do Brasil, supera São Paulo, já tem 780 mil veículos circulando nas ruas, numa cidade de dois milhões e trezentos mil habitantes, ou seja, já tem um carro para cada três pessoas. Não tem um projeto estratégico de mobilidade. É o centésimo octogésimo pior indicador de educação dos 184 municípios do Ceará, que já não é uma Brastemp em educação… É um desastre…

Folha/UOL: Se depender do sr….
Ciro Gomes: Nós teremos candidato próprio. Um quadro novo…

Folha/UOL: Não apoiará?
Ciro Gomes: Sim, nós podemos apoiar no segundo turno. Eu não sei por que as pessoas… O povo brasileiro tinha que acordar para isso. Essas tratativas que eliminam o segundo turno, elas têm por tarefa tirar o povo da jogada. Então se acerta o governador com a prefeita, pega daqui, toma dali, pega daqui, toma dacolá. Tira o povo da jogada.

Folha/UOL: O sr. defende sair da aliança com a prefeita que é do PT, Luizianne Lins [do PT, de Fortaleza], e ter candidatura separada?
Ciro Gomes: Separadas. E quem for indicado pelo povo para o segundo turno terá o apoio do outro. Que é o que eu defendia para o Brasil e sigo defendendo. Porque essa dinâmica do primeiro turno, aberto, permite que o debate aconteça sem essa vergonha que foi o debate em que seis ou sete pessoas sentadas em duas ou três salas confinaram o debate entre o Serra e a Dilma e nós vemos isso. O Serra é um cara economista, que entende de tudo o que está acontecendo no país, que estava vendo as consequências do câmbio depreciado no Brasil e foi fazer a campanha agarrado em batina de padre reacionário, acusando a Dilma, falsamente, de ser adepta do aborto. E do outro lado a Dilma, o que tinha que dizer é que era amiga do Lula. Que é isso… Que é isso… Isso não pode acontecer num país que está por ser resolvido. E o que nós temos que fazer para resolver o problema: tem que ter uma pedagogia popular, Fernando. Nada do que nós precisamos resolver no Brasil tem solução se o povo não entrar na jogada. Por quê? Porque tudo o que está errado, não está errado por acaso. Está errado porque atende aos interesses de uma minoria ativa, organizada, que vive reinando por conta de a maioria estar desorganizada, atomizada, dispersa, cuidando da vida, com grande sofrimento, perdendo um expediente por dia, por pelo qual ninguém paga nada, nos ônibus das grandes cidades.

Folha/UOL: O sr. acha que alguma medida econômica deveria ter sido tomada nos últimos quase 11 meses, no governo Dilma?
Ciro Gomes: Uma infração fundamental aconteceu no Brasil. Foi o Banco Central depois de duas… Você tem aqueles “pizinho” que bota na televisão… Depois de duas “c” graves, a crise já dada, o Banco Central brasileiro viu uma ilusão de ótica de uma inflação e aumentou a taxa de juros duas vezes. Eu disse: “estão alimentando a fogueira com gasolina. E com dinamite”. Eu via que houve uma intervenção. Inclusive essas forças reacionárias vieram todas… O Banco Central saiu correndo ligeiro de consertar a bobagem que tinha feito. Mas isso é pouco. Por exemplo: o recurso que está aplicando no PAC, que em 2008 permitiu ao Brasil não ir para uma recessão, ficar ali no empate, está reduzido neste ano. Em comparação com o mesmo período do ano passado, ele está ali há uns 15%, 16% a menos que no ano passado. Então, há uma perda de eficiência. Ou uma contração fiscal desocupada do efeito estratégico que, Keynes já mostrava, tem o poder público nesse instante. Se a crise econômica for mais continuada do que parece ser, pelo colapso da política na Europa, pelos reflexos de retração moderada, mais ou menos na China, que é nosso grande compradora de commodities, o Brasil ainda está compensando seu desequilíbrio nas contas externas por conta do preço de commodities… Nós vamos ter problemas.

Folha/UOL: Sim, mas que medida poderia ser tomada além dessa que já começou a ser tomada de baixar a taxa de juros?
Ciro Gomes: Eu acho que o Brasil estava na hora, neste instante, de fazer um programa de substituição de importações, sem perda de eficiência. Essas palavras e expressões são todas desmoralizadas para propaganda, mas assim… O SUS, eu tenho esse levantamento, que é de um estudioso, chama-se Carlos Gadelha, que está no governo, está no Ministério da Saúde. O SUS compra neste ano 13 bilhões de dólares. O SUS, dinheiro federal, compra do estrangeiro 13 bilhões de dólares. De coisas como prótese, cama de hospital, cadeira de roda, fármacos etc etc 76% disse, nesse estudo que está pronto, estão com patente vencida. Se você tivesse um programa de compras governamentais, casado com substituição de importação interagindo o setor público com iniciativa privada, com desenvolvimento regional, você tem como fazer, estou te dando aqui uma pista concreta, uma emulação completamente alavancada pelas nossas energias. Não vamos fazer nada. Não vamos sair para gastar mais.

Folha/UOL: A medida contra importação de carros estrangeiros, foi um erro?
Ciro Gomes: Foi um erro. Porque foi protecionista de um oligopólio.

Folha/UOL: Aí não é o caso de substituição nesse caso?
Ciro Gomes: Não. Poderia ser se houvesse uma política industrial de comércio exterior mais consistente.

Folha/UOL: Falta na equipe econômica algum conhecimento maior disso tudo? Ao ministro Guido Mantega [da Fazenda], à equipe que comanda…
Ciro Gomes: Eu já fui ministro da Fazenda. Ali é tanta fogueira diária que é difícil você ter momento para pensar estrategicamente. Quer dizer, o problema do Brasil é a falta de um projeto estratégico. Nesse projeto estratégico o Guido tem uma grande contribuição para dar. Como ministro da Fazenda, não está dando. Quer dizer, essa imposição de alíquota de IPI maior foi coisa dele. Vencidas as opiniões do Ministério da Indústria e Comércio, do Pimentel [Fernando Pimentel]. Ele percebe que não é bem assim, porque está ali com a cabeça um pouco mais…

Folha/UOL: Quem são as melhores cabeças da equipe econômica da presidente Dilma?
Ciro Gomes: Dilma.

Folha/UOL: E depois?
Ciro Gomes: O Tombini [Alexandre Tombini, presidente do Banco Central].

Folha/UOL: E depois?
Ciro Gomes: O Guido.

Folha/UOL: Como está a sua saúde?
Ciro Gomes: Está bem. Acabei de fazer um check-up inclusive. Vários problemas de “velhura”, mas nenhum relevante.

Folha/UOL: O sr. continua fumando?
Ciro Gomes: Não. Parei de fumar.

Folha/UOL: Desde quando?
Ciro Gome: Engordei quase 10 quilos. Quase dois anos. Dois anos sem fumar.

Folha/UOL: Não fuma nada mesmo?
Ciro Gomes: De vez em quando fumo um narguilé. Faz mal também mas não dá para carregar no bolso, então eu fumo uma vez por semana.

Folha/UOL: Engordou 10 quilos em um ano?
Ciro Gomes: Em um ano e pouco.

Folha/UOL: E como vai tratar isso?
Ciro Gomes: Ginástica e tal. Irregularmente, mas…

Folha/UOL: Ciro Gomes, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
Ciro Gomes: Obrigado a você.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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