Veja tenta derrubar jatinho do Lupi

A Veja desta semana vem com mais um míssil contra o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. A revista acusa o ministro de ter usado um avião pago por Adair Meira, coordenador de uma rede de ongs conveniadas à pasta. A reportagem estende-se por seis páginas e, pelos trechos divulgados na internet, traz aquela linguagem balzaquiana, ultra-descritiva, com detalhes ficcionais, que a revista sempre usa para conferir mais verossimilhança às suas histórias.

Abaixo o trecho divulgado no blog do Reinaldo Azevedo:

Na manhã do dia 13 de dezembro de 2009, um avião de pequeno porte decolou de Imperatriz com destino a Timon, também no estado do Maranhão. Quando o King-Air branco com detalhes em azul, de prefixo PT-ONJ, já cruzava o céu na altitude e na velocidade determinadas no plano de voo, o então assessor do Ministério do Trabalho Weverton Rocha tomou um susto. Pela janela, ele viu um rastro de fumaça perto do tanque de combustível. Disciplinado, avisou imediatamente seu chefe, o ministro Carlos Lupi: “Olha, parece que está vazando querosene”. Osso duro de roer, como se definiu na semana passada, Lupi reagiu com a confiança e a verborragia que lhe são peculiares. “Nada de mau vai nos acontecer. Tenho 49 orixás que me acompanham”, disse, ecoando um de seus mantras prediletos. Em seguida, o ministro avisou o comandante do problema. O avião retornou a Imperatriz, foi consertado e retomou a viagem ao destino final. Estavam a bordo também o ex-governador do Maranhão Jackson Lago, já falecido, o então secretário de Políticas Públicas de Emprego do ministério, Ezequiel de Sousa Nascimento, e um convidado especial – o gaúcho Adair Meira. Naquele domingo, Lupi, Rocha, Lago e Nascimento, todos do PDT, participaram de um ato político em Timon. Nos dois dias anteriores, percorreram sete municípios maranhenses em uma intensa agenda oficial, divulgada no site do Ministério do Trabalho, reservada ao lançamento de um programa de qualificação profissional no estado. Nos trajetos entre cidades, usaram o mesmo King-Air e estiveram sempre acompanhados do convidado especial Adair Meira a bordo.

Meira não é do PDT, mas tem relações intestinais com o partido. Ele comanda uma rede de ONGs que têm contratos milionários com o Ministério do Trabalho. Era, portanto, um interessado direto no programa que estava sendo anunciado no Maranhão. Mais do que isso. Foi Meira quem “providenciou” o King-Air que transportou o ministro e os pedetistas do governo pelo Maranhão, numa daqueles clássicas confraternizações entre interesses públicos e privados, cuja despesa acaba sempre pendurada na conta do contribuinte. O ministro Carlos Lupi cumpriu uma agenda oficial, usando um avião privado, pago por um dono de ONG que tem negócios com o ministério. E, pior, um dono de ONG acusado de fraudar o próprio ministério. (…)

Aos deputados, Lupi afirmou desconhecer Adair Meira. “Eu não tenho relação nenhuma, absolutamente nenhuma, com o – como é o nome? – seu Adair”. afirmou, num providencial lapso de memória. Depois, emendou: “Posso ter e devo ter encontrado com ele em algum convênio público. Não sei onde ele mora.” Quanta descortesia. No fim de 2010, um ano após o tour maranhense, a Fundação Pró-Cerrado e a Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renaspi), duas ONGs de Meira, receberam do Ministério do Trabalho, numa solenidade em Brasília, o Selo Parceiros da Aprendizagem, concedido a entidades consideradas de excelência na formação profissional. Na mesma ocasião, a Renaspi foi escolhida pelo ministério como parceira num projeto para qualificar trabalhadores no Maranhão – isso apesar de ter credenciais nem de longe abonadoras. A Procuradoria da República já pediu a devolução de recursos públicos embolsados pelas entidades de Meira. A Controladoria-Geral da União (CGU ), por sua vez, apontou uma série de irregularidades nos contratos executados por ela. Na audiência com os deputados, Lupi garantiu que quase nunca viaja em aviões particulares. E assegurou que jamais se locomoveu à custa de Meira. “Nunca andei em aeronave pessoal nem dele nem de ninguém”, disse o ministro. Lupi esqueceu de combinar a versão com um de seus antigos assessores.
(…)

Não é a linha desta Análise defender ministro nem governo. Busco apenas fazer um estudo crítico e objetivo da mídia e arriscar prognósticos sobre os desdobramentos dos escândalos. Essas crises afetam o cotidiano das pessoas e acho que é muito útil que alguém, no caso eu, se disponha a fornecer dados que ajudem-nas a se posicionarem perante as novas situações.

Bem, em primeiro lugar, é preciso ver se a revista traz testemunhas ou provas de que o vôo aconteceu nas circunstâncias descritas. O trecho publicado e o resumo da reportagem não indica, então suponho que a íntegra da matéria não traz muita coisa além disso. O governador Jackson Lago, um dos supostos ocupantes da viagem, morreu. O ministro, os assessores e até o tal Adair, negam a viagem ou negam que tenha sido paga por Adair.

Usar avião de empresário, ou dono de ongs, além disso, não é um crime. No máximo, e somente em alguns casos, constitui uma infração ética segundo o estatuto do servidor. Em alguns casos, porque o próprio estatuto permite que o servidor use aviões particulares quando não há outro jeito. O Brasil é um país continental, onde os altos servidores tem que fazer às vezes várias viagens de avião no mesmo dia e o uso de aviões particulares é muito comum por causa disso. Aqui no Rio, o governador Cabral pegava carona com frequência em aviões e helicópteros de empresários amigos, até que um deles caiu, matando a namorada de seu filho e a sua (segundo as más línguas) amante.

O presidente da Câmara, Marco Maia, do PT, também já andou usando muito aviãozinho particular, o que lhe rendeu alguns constrangimentos quando os casos foram revelados na imprensa.

Os ministros Paulo Bernardo e Gleise Hoffmann, que são casados, também já foram pegos usando avião particular.

O próprio líder do PDT no Congresso, Giovanni Queiroz, acaba de declarar, neste sábado, ao comentar a denúncia da Veja, que ele mesmo pega “muita carona” em suas viagens a seu domicílio eleitoral, no Pará.

De maneira que se o fato é razão para derrubar o ministro Carlos Lupi, então teremos que derrubar a república inteira. Sem contar que, estando presente no jatinho o então governador do Maranhão, Lupi poderá dizer (até porque pode ser verdade) que ele estava apenas pegando carona num avião a serviço do governo estadual.

É preciso sim moralizar a relação entre políticos e setor privado, mas é besteira pretender que uma carona de avião corresponde a um suborno. Um ministro custa muito mais caro que isso, naturalmente.

Entendam que não boto a mão no fogo por Lupi nem por nenhum político, mas é absurdo demonizar um representante do Estado por pegar uma carona, ainda mais em viagens para regiões do país para as quais não há vôos comerciais.

Se há alguma prova concreta de que o ministro Carlos Lupi prevaricou, que se o demitam, mas não acho plausível usar esse novo “escândalo” da Veja para afirmar que agora ele está mais “frágil” que nunca no cargo.

Os jornais deste sábado deixaram Lupi em paz, mas a matéria da Veja deve ganhar manchetes no domingo, e certamente aparecerá no Fantástico. Por outro lado, o governo parece um pouco mais empenhado, desta vez, em enfrentar os ataques da mídia.

Tenho a impressão que haverá um pouco de tensionamento neste domingo e na segunda-feira, mas que Lupi se segura na pasta durante a semana. A condição dos ministros no governo Dilma às vezes me lembra aquelas reuniões do AA e sua filofosia de a cada dia, a sua vitória.

PS: O ministro publicou no blog do Trabalho um post em que, dentre outras explicações, afirma que o avião não era um jatinho King Air. A informação é divertida, porque a matéria da Veja se esmera em detalhar número de série e características físicas do avião, mas pelo jeito a descrição não é tão exata como se pretende.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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