Enragés é um termo francês que significa “raivoso”. É um jargão político conhecido no mundo todo para se referir a um radical político. Retrata bem um comportamento comum nas extremidades ideológicas. E as redes sociais e a blogosfera tem contribuído para sua proliferação. Qualquer pessoa que faz militância política na internet acaba ficando sempre meio neurastênica. Aliás, qualquer pessoa, de esquerda ou direita, que passa a consumir informação política com voracidade se torna irritadiça. O país está cheio de novos grupos radicais. Udenistas (os neo-cansados anti-corrupção), antimidiáticos (blogueiros sujos), ultra-comunistas anti-PM (invasores da USP), são os exemplos mais conhecidos. De outro lado, porém, temos uma grande massa que alguns chamam despolitizada, mas que eu prefiro não julgá-la, então chamo-a de massa “observadora”.
Para não me acharem um desses pedantes eternamente em cima do muro, que analisam os tipos sociais como quem manipula insetos mortos, eu me encaixarei entre os anti-midiáticos (blogueiros sujos). Também sou um radical.
Quer dizer, eu era. Agora sou um pedante.
Eu concordo que a mídia é golpista. Mas eu acho que todos somos golpistas. Os caras que ocupam Wall Street são tão golpistas quanto os editores do Washington Post. Os garotos que invadiram a reitoria da USP são tão golpistas quandos a neo-UDN que andou fazendo passeatas recentemente.
É a famosa vontade de potência, um instinto humano natural.
Ser golpista não é um defeito, portanto, mas uma característica psicológica inata ao homem.
Há golpistas justos e não-justos, progressistas e reacionários, embora essas dicotomias sejam sempre relativas, naturalmente. Parodiando Sartre, “golpistas são os outros”.
A república nova brasileira teve início com um golpe de Estado. Eu amo Getúlio Vargas e acho que ele deveria ter feito o que fez mesmo, mas não posso me furtar a admitir que ele deu um clássico e odioso golpe de Estado! Não fosse aquele pecado inicial, talvez não tivéssemos o golpe de 64.
O errado não é ser golpista – já que essa é nossa condição natural -, e sim praticar um golpe. Digo, um golpe armado. Quer dizer, se vivêssemos um regime de exceção, talvez um golpe armado se justificasse, mas não no Brasil de hoje, com sua democracia estável. Como não se justificou o golpe em Honduras, onde o golpismo também atravessou o Rubicão ao usar o exército para expulsar o presidente eleito do país.
A mídia é mentirosa, mas a blogosfera também apronta das suas. Um amigo nosso, blogueiro progressista no Sul, fez uma tese de mestrado onde concluiu que os blogueiros tinham os mesmos ímpetos golpistas e totalitários de seus desafetos na grande mídia.
Eu acrescentaria, como defesa da minha classe, que os blogueiros podem não ser melhores indivíduos ou comunicadores que seus adversários corporativos, mas vivem uma conjuntura de liberdade e pluralidade infinitamente superior do ponto-de-vista tecnológico, prático e, portanto, moral.
Deixemos de lado essa filosofia de boteco e analisemos concretamente a situação política. Quero comentar os posts de dois amigos blogueiros, que vem se revelando autênticos e nobres “enragés” da esquerda tupi.
- Um é O poder e a esquerda festiva, de Eduardo Guimarães, o blogueiro mais incendiário (no bom sentido) que já surgiu no Brasil.
- Outro é Dilma alisa e FHC morde. Até quando?, do Miro Borges, o grande arquiteto do movimento dos blogueiros progressistas.
Eu cito trechos dos respectivos posts que contêm as premissas básicas sobre as quais eles vêm construindo a tese de que o governo é covarde e que o Brasil vem sendo administrado, na verdade, pela mídia.
Na América do Sul progressista que vai se desenhando, portanto, o Brasil é o único país em que a centro-esquerda governa, mas no qual quem manda é a direita. (Eduardo Guimarães, no blog Cidadania)
Segundo Eliane Cantanhêde, a colunista da “massa cheirosa” do PSDB, nunca a imprensa foi tão poderosa. Ela já derrubou seis ministros e a lista macabra dos jagunços midiáticos é grande e implacável. Carlos Lupi e Haddad que se cuidem! (Blog do Miro)
Eu respeito muito esses dois blogueiros, e concordo que o governo é covarde (demitiu Orlando Silva sem provas). Gostaria apenas de comentar a afirmação, que já virou lugar-comum, de que “a mídia derrubou seis ministros”. Os seis são esses:
Tenho notado que é muito comum que a blogosfera assimile, sem disso ter consciência, assertivas midiáticas. Interessa à mídia vender a ideia de que ela é poderosa e derruba ministros. Até porque de fato ela é poderosa e derruba ministros. Mas a gente tem que respirar fundo e analisar com sangue frio.
Desses seis ministros aí, a mídia na verdade só derrubou um: Orlando Silva. Todos os outros tinham culpa no cartório. Eu defendi o Pallocci, porque não havia nenhuma prova contra ele: mesmo assim, o cara tinha ganho R$ 20 milhões em pleno ano eleitoral. Não é ilegal, mas é um fato midiático de impacto. Além do mais, Pallocci foi atacado, e duramente, por boa parte da esquerda, incluindo muita gente de seu próprio partido.
Jobim não foi derrubado. Foi demitido porque falou merda. A mídia não tem nada a ver com isso.
O Wagner Rossi está efetivamente envolvido em gravíssimas acusações de corrupção, sob investigação da Polícia Federal. Foi derrubado pela mídia? Sim, mas a mídia estava certa neste caso. Então a gente deve fazer uma ressalva moral: quando o ministro se envolve em acusações concretas de corrupção, com provas, então a mídia pode derrubar. Certo? Certo.
Restam o Alfredo Nascimento, dos Transportes, sobre quem também pesaram acusações arrepiantes, que prefiro não comentar agora; e Pedro Novais, um velho sátiro com pé na cova que sabe-se lá porque cargas d’água acabou ministro do governo Dilma.
Ou seja, o único ministro que realmente foi derrubado injustamente pela mídia foi Orlando Silva.
E agora temos o Lupi na berlinda. Talvez caia, talvez não. Vamos ver como se desenrolam os acontecimentos. Mas se houver algo concreto contra ele, então merece cair mesmo.
O mais importante é o seguinte: é justo aceitarmos a asserção de que a direita manda no país?
Os juros são os mais baixos em 17 anos – contra mídia.
O governo ampliou o valor e a extensão do Bolsa Família – contra a mídia.
O governo amplificou a presença do Estado na economia – contra a mídia.
O governo tem praticado uma política desenvolvimentista – contra a mídia.
A economia brasileira vai bem. O desemprego, a desigualdade e a miséria continuam declinando, e agora na contra-mão do resto do mundo. A direita partidária segue minguando. O que mais a esquerda quer? Quer dizer, tirando uma revolução soviética.
Ah, quer a Ley dos Medios. Mas isso fica para outro post.