Eu ainda não escrevi nada sobre o câncer de Lula e sua repercussão na mídia e redes sociais. É um assunto que não me agrada em absoluto. Meu pai morreu de câncer, e eu não gosto nem de tocar nesse assunto. Mas não dá mais para fugir disso. O câncer de Lula botou o homem de novo na mídia. Aliás, a mídia, depois de alguns dias de morde e assopra (mordendo através de cartinhas iradas de leitores, assoprando com artigos criticando as cartinhas), parece que resolveu ficar só mordendo. A ombudsman da Folha, Suzana Singer, abriu espaço, em seu artigo dominical, a leitores que defenderam que o ex-presidente se tratasse no SUS.
No editorial deste domingo, o Globo diz que, ao se tratar numa rede privada, Lula passou uma “mensagem negativa à população”.
Desnecessário comentar a deselegância desse editorial. Jamais publicariam algo parecido em relação a nenhum outro político.
Por um lado, eu sou contra o endeusamento de Lula. De 2003 a 2010, defendi o seu governo, e o próprio, em meu blog. E agora continuarei defendendo-o dessa desumanização febril. Lula precisa ter defeitos para ser um líder completo, inclusive defeitos morais. Ele os tem, é claro. Digo que seus apoiadores deveriam aceitar isso com mais naturalidade. E defeitos políticos também. Por exemplo, o dedaço na escolha do candidato petista à prefeitura de São Paulo representou um retrocesso democrático. O PT deveria dar o exemplo e realizar prévias, porque é assim que devem ser as coisas.
Por outro lado, eu gosto do Lula justamente porque ele é um homem com defeitos e vícios, como qualquer um de nós.
O que mais me incomoda mesmo é a tietagem. Não gosto de tiete de nenhum tipo. Quando eu vejo aquelas pessoas amontoadas em frente ao hotel durante horas, ou dias, apenas para receber um tchauzinho de um ídolo pop sinto um desprezo incomensurável. Fosse minha filha, eu deserdava, penso.
Em se tratando de política, penso a mesma coisa. Lula é um grande cara e foi um ótimo presidente. Por isso mesmo, na minha opinião, deveríamos respeitá-lo tratando de igual para igual, sem tietagem. Qualquer outra postura, para mim, é uma agressão, a Lula e a nós mesmos.
Deve ser por isso, aliás, que o câncer de Lula não me despertou o mínimo desejo de escrever. Virou uma guerra de hidrófobos contra tietes.
Se alguém me diz que Lula deveria se tratar no SUS, ou que deseja mais é que ele morra, eu não sinto a mínima obrigação de responder. É algo tão estúpido que, na minha opinião, qualquer atenção dispensada lhe confere um mérito imerecido. Pior, acho perda de tempo.
Como também acho perda de tempo fazer videozinho de apoio a Lula. O que ele precisa hoje é fazer seus tratamentos. Apoio ele já tem de montão, nunca um presidente foi tão popular.
Entretanto, visto que o Globo agora se junta aos hidrófobos para insinuar que Lula deveria, por coerência, se tratar na rede pública, acho que vale listar algumas razões para o ex-presidente não fazê-lo.
- O Globo, vingativamente, lembra-se que Lula disse, certa feita, num discurso, que a saúde brasileira se aproximava da “perfeição”. Ora, Lula falou besteira e o Globo e toda torcida do Corínthias sabem disso. Era um discurso político, durante a inauguração de um hospital, e ele soltou essa pérola. É muita falta de caráter jogar na cara de alguém, num momento como esse, todo deslize verbal cometido em décadas de política.
- Lula é uma celebridade e um ex-presidente altamente popular, não só no Brasil. Sua presença num hospital público iria causar uma verdadeira comoção, e atrapalhar seriamente a rotina de qualquer instituição médica.
- Lula tem dinheiro, declarado publicamente. Tem plano de saúde. A troco de quê vai tirar a vaga de alguém na rede pública? A troco de quê vai dispensar um tratamento muito mais confortável?
O tratamento de Lula no Sírio-Libanês não passa nenhuma “mensagem negativa” à população. Isso é a opinião do Globo. A população tem bom senso suficiente para entender que Lula tem bala na agulha para se tratar onde quiser. O cara cobra centenas de milhares de dólares por uma palestra.
É triste, de fato, que o brasileiro comum tenha acesso a um sistema de saúde deficiente. Mas a gente sabe muito bem o quanto Lula brigou para, por exemplo, não derrubarem a CPMF. O governo federal havia aceitado destinar 100% do imposto do cheque ao sistema público de saúde. O Globo patrocinou uma gigantesca campanha contra o imposto, que além da importância para a saúde, ajudava a combater a corrupção.
Cobremos do governo que melhore a saúde pública brasileira. Para fazer isso, naturalmente, não poderemos reduzir a carga tributária. Mas deixemos Lula em paz, pelo amor de Deus. Deixem o cara se tratar onde ele quiser!