Era previsível que a grande mídia procurasse, de todas as formas, diminuir as manifestações organizadas pelas centrais sindicais. Mas fizeram pior: houve um esforço deliberado para denegri-las.
Não é de hoje que a mídia brasileira se assume como um partido político fundamentalmente antisindical e antitrabalhista.
O rancor da mídia contra sindicatos e centrais sindicais é fácil de entender. Com todos os seus problemas, eles são a expressão da classe trabalhadora organizada e constituem o único meio pelo qual os mais pobres podem ascender a posições políticas importantes.
Nenhum pobre jamais ganhará uma eleição sem apoio sindical. O núcleo duro de todos os partidos de esquerda é formado por sindicatos, centrais e movimentos sociais organizados.
Nota-se ainda um esforço, maquiavelicamente calculado, para criar uma polarização entre as manifestações de junho e as de ontem, 11 de julho. As comparações numéricas foram sempre no sentido de aumentar as primeiras e diminuir as últimas.
As manifestações de junho, de fato, foram monstruosas. Mas as de ontem ocuparam toda a Avenida Rio Branco. Nâo fosse o ataque covarde dos fascistas de preto aos manifestantes, cresceria ainda mais.
A mídia gosta de mencionar uma suposta realidade fantástica que o governo vende à população. Acontece que o governo não tem mídia. Quem vende uma realidade parela à população é a nossa TV. Quem vende um mundinho encantado aos jovens é a TV. Não é o governo. Ao governo interessa, obviamente, fomentar o otimismo, visto que este é a mola do empreendedorismo, e incentiva o consumo, para acelerar as vendas e o crescimento econômico. Mas é a mídia que produz uma imagem bipolar: por um lado, vende aos cidadãos uma fascinante fantasia de felicidade e consumismo; de outro, faz uma campanha sistemática contra o país, pintando-o sempre negativamente.
Há um estudo recente – este é um assunto do qual falaremos em breve – mostrando que a corrupção na sociedade, na esfera privada, é bem superior à da esfera pública. A corrupção individual, de médicos que faltam ao trabalho, empresários que sonegam, jornalistas que traficam informação, executivos que maquiam relatórios financeiros, é igual ou maior do que a de políticos. Temos ainda a corrupção na burocracia, no Judiciário e no Ministério Público.
Os cidadãos que protestam contra a corrupção deveriam sair às ruas com chicotes, flagelando-se a si mesmos, e gritando: Abaixo eu! Abaixo eu!
De qualquer forma, é apavorante constatar o poder da mídia de fazer prevalecer sua hegemonia na interpretação dos fatos sociais. Os jornais e a televisão esconderam acintosamente que a defesa pela democratização da mídia é uma demanda que constava nas grandes manifestações de junho, e que foram centrais nas desta quinta-feira.
A deficiência da representação política está ligada diretamente à questão da mídia. Congresso, Presidência da República, Ministério Público, STF, apenas são atingidos pelas demandas destacadas pela mídia. Isso é um erro. Talvez o principal erro da democracia brasileira. As instituições estão subestimando o que é a principal lacuna da nossa democracia. A mídia deve ser democratizada para que as demandas dos diferentes setores possam fluir de baixo para cima no corpo social.
Ontem, aconteceu uma grande manifestação diante da Globo. Saiu apenas uma notícia de segundos no SP-TV, e mais nada. Não há editoriais.
Merval Pereira, em sua coluna de hoje, menciona o tema de forma absolutamente cínica e mentirosa:
Pedir uma vaga democratização da mídia , por exemplo, é simplesmente tentar levar para as ruas a reivindicação de pequenos grupos de pressão, apoiados por blogs e revistas chapas-brancas, como se fosse uma aspiração da nacionalidade.
Como não é uma manifestação da nacionalidade? Como assim: “pequenos grupos de pressão”? A democratização da mídia era uma das principais bandeiras dos movimentos sociais e centrais que ontem saíram às ruas. Não só ontem. Nas manifestações de junho, foi uma das demandas mais importantes, embora expressa de maneira genérica, em cantorias, cartazes e faixas contra a Globo.
Mas os ministros do STF, o procurador-geral, e os clipeiros do Congresso e da Presidência, preferem ler Merval Pereira do que ouvir a voz das ruas.
Que imprensa é essa, que vem abafando um dos maiores escândalos fiscais do século? Porque nenhum jornal aborda o “mensalão” da Globo, e seus desdobramentos holliwoodianos? Porque nem a Agência Brasil parece ter coragem de mencionar o tema? Eu fui entrevistado pela Rádio Nacional argentina, principal rádio pública daquele país, para falar da sonegação da Globo. Todos os sites, blogs e jornais alternativos no Brasil têm abordado o caso. Porque a Agência Brasil e a TV Brasil não entram no assunto? Por que o sistema público de comunicação sempre fica a reboque da grande mídia?
Tudo bem, a gente está na luta para isso mesmo. Confira o vídeo abaixo, com cenas da manifestação realizada em frente à Globo. Veja se isso é coisa de “pequenos grupos de pressão”…
Nada disso. O que vimos ontem, em frente à Globo, foi uma das maiores manifestações da história brasileira contra uma emissora de TV que apoiou a ditadura e se consolidou financeiramente durante o regime militar, com dinheiro dos Estados Unidos. E que até hoje se caracteriza pelo mais abjeto golpismo. Uma manifestação criativa, jovem, e de massa. E apoiada por milhões de brasileiros em todo país.
Quem sabe o gigante não esteja, de fato, acordando? Num primeiro momento, ele se espreguiçou, e espalhou os braços, confusamente, quebrando tudo ao redor. Aos poucos, porém, começa a lembrar onde está, o que fez no dia anterior, e seus pensamentos clareiam-se.
Agora sim, a coisa está ficando boa.
PS: A Folha fez uma menção na capa, tão escondido que demorei muito tempo para descobrir. Mas foi pior que abafar. Distorceu negativamente. A menção vem numa nota em que se fala dos vândalos de preto no Rio. E diz que a manifestação foi de “400 black bocs”, quando na verdade foram duas mil pessoas e com participação de vários movimentos sociais.
Na edição nacional, veio sem foto. Na edição de São Paulo, teve uma foto de um grupo de mascarados segurando paus. Muito pior que abafar!
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